Corrupção policial: o mesmo “bode” no centro da mesa
Fonte: O GLOBO de 09 abr 2013
Do emaranhado de críticas, pesquisas, informações, confusas estatísticas, e opiniões variadas, todas veiculadas em prudente viés para se concluir que a corrupção não é via de mão dupla (porém é!), devemos destacar as situações mais absurdas, eis que preconceituosas ao extremo, como se o exercício das liberdades individuais fosse privilégio de apenas alguns segmentos sociais e não do indivíduo como ser humano completo e pleno de direitos, dentre os quais, inclusive com exagerados cuidados constitucionais e legais, os marginais contumazes, soltos e presos, e na segunda condição recheados de direitos tornados pecuniários, já que os coitadinhos, em estando presos, não podem se exercitar no crime para o sustento de suas famílias. Mas em se tratando de PMs a coisa muda, eles se submetem ao imperativo da honestidade, embora fruto de uma sociedade corrupta por excelência, a mesma que os critica como se eles fossem alienígenas só por serem PMs. E quando levados à condição subumana de “ex-PM” passam a “ratos de esgoto” a serem monitorados e eliminados com inseticidas, o que nos permite a triste conclusão de que é melhor ser presidiário ou ex-presidiário do que ser ex-PM.
A sociedade brasileira, ademais de dominada por castas desde o Brasil Colônia, permanece a brincar com fogo e, claro, gostando ou não, – criticando ou não, – receberá o devido troco pelos problemas que ela mesma inventa. Um deles é massificar a tropa da PMERJ (em detrimento da individualidade) por meio do precipitado aumento do efetivo em vista de programas temerários de ocupação do terreno por tropa. Lembra-me a mim a prática do consumo de volumosos exércitos de conscritos convocados ao toque dos tambores, ao soar das cornetas e ao badalar dos sinos eclesiais, todos comandados por uma aristocracia sem noção do direito deles, simples soldados, à vida. Pois os conscritos sempre foram descartáveis, a ponto de gerações inteiras de jovens e crianças serem apagadas do mapa em guerras e revoluções aqui e mundo fora em todos os tempos.
E assim vai a onda do precipitado aumento de efetivo na PMERJ e demais corporações coirmãs brasileiras: como se se recolhesse água com peneira, saindo ela pelos buracos em enxurradas estúpidas: milhares de recrutados no país da imobilidade social, que tem na farda uma saída honrosa: dá-se um emprego instável e mau remunerado, e, em não funcionando a “peça”, ela é descartada e “reposta” num círculo vicioso incapaz de um dia se tornar virtuoso. Mas a hipócrita sociedade, – que corrompe o policial e todo o resto e também se corrompe nas trevas das negociatas milionárias, das propagandas veiculadas com o dinheiro do contribuinte, da sustentação financeira de ONGs ideológicas etc., – mas a hipócrita sociedade vem a público com pompas e circunstâncias e põe tudo na conta da PMERJ, como se esta não fizesse parte do mundo podre a que ela, a hipócrita sociedade, pertence por direito de nascença.
Que adianta concluir o óbvio de que o “ex-PM”, – sem alternativa no mercado de trabalho por ser ex-PM, sem qualquer apoio institucional mínimo, e diferentemente do bandido, – que adianta concluir o óbvio de que o “ex-PM” irá à luta e muitas vezes ao crime, pois precisa sobreviver e o trabalho digno lhe é negado? Ora, para que entupir os quartéis a pretexto de conquistar, ocupar, pacificar comunidades (o modismo atual), se a sociedade não está preparada para suprir a tropa com deuses, semideuses, anjos, espartanos e semelhantes, porquanto dela, sociedade, só nasce e prolifera o contrário? Que diabo é esse que corrói a PMERJ e isola num Olimpo inatingível todo o resto? Ah, até parece que a sociedade é filha de Deus e a PMERJ, filha do Diabo!
Ora, essa discussão de superfície apontando o “óbvio ululante” é ridícula! Apenas serve para atemorizar a população, em especial a ignara, esta que crê em tudo que lê e assim se posta ideologicamente contra qualquer farda, até a do mata-mosquito. Sim, de que adianta aplaudir os responsáveis pelo controle interno, cada dia em maior número e jactanciosos quanto ao que fazem de modo simples e direto, ou seja, exclui o PM por qualquer motivo disciplinar mínimo, misturando o flagrado assaltando com aquele que por razões familiares chegou inúmeras vezes atrasado para o serviço e não lhe foi dado o direito de se explicar e ser ajudado?... Ah, para que separar o joio do trigo? Afinal, é tudo “ex-PM” e estamos conversados!...
Estamos conversados?... Então que me expliquem quantos “ex-PMs” existem, pelo menos os assim categorizados nos últimos dez anos! Expliquem-me o que eles andam fazendo!... Não é preciso, sei a resposta: estão por aí atoando ou formando milícias, ou dirigindo vans piratas, ou empunhando o volante de táxis ilegais, ou exercitando seguranças particulares legalizadas ou ilegais, ou formados em organizações criminosas várias. Ou quebrando pedras, ou, sei lá mais quê!... Ah, ninguém sabe nada deles, isto não interessa, o problema da PMERJ está resolvido, a ela compete monitorar a tropa como a SS de Hitler monitorava a dela com sobrenaturais poderes, e assim deve ser porque assim a sociedade exige, enquanto ela própria corrompe os policiais, não sem antes introjetar como “normais” em suas mentes, – desde nascimento até a idade adulta, quando eles ingressam na PMERJ, – as regras do “jeitinho brasileiro” a troco de poucas moedas.
Enfim, o estardalhaço midiático não resultará em absolutamente nada. Não passa de discurso vazio de novidade, não passa de chuva em chão molhado, de peneira a tapar o sol ou a recolher a água, não passa de mais uma inutilidade social. Pois é certo que a PMERJ continuará a anunciar aumentos de efetivo, com o aval dos governantes, continuará a se jactar de ser rigorosa com a disciplina, pondo como heróis internos e externos os “disciplinadores” e a tropa, como ente descartável, inútil, nada mais que bando de “corpos dóceis”, “de “bois de piranha”, de “bodes” postos no centro de um problema que, na verdade, é de toda a sociedade brasileira corrupta por excelência. E cínica no trato de um problema que não é de “ex-PM”, mas de todos os cidadãos brasileiros, em especial dos cultos, dos baluartes situados na elite, dos poderosos burocratas e políticos, estes, e alguns outros aristocratas: os mais corruptos de todos...