06/08/2012 11:45
Câmara deve votar esta semana pedido de urgência para o Projeto de Lei que pretende acabar com a prova da Ordem dos Advogados do Brasil. Proposta divide opiniões
Iano Andrade/CB/D.A Press |
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O estudante de direito Cássio Lourenço é a favor da avaliação como um instrumento de controle da qualidade |
O debate sobre a manutenção do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para exercer a advocacia poderá ganhar novo capítulo esta semana. Deve ser colocado em votação, na quarta-feira (8), o requerimento de urgência para o Projeto de Lei nº 2.154/2011. A proposta, de autoria do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), visa alterar a lei para que o exame da OAB seja extinto. Caso a urgência seja aprovada, o texto seguirá para apreciação no plenário da Câmara dos Deputados.
De acordo com Cunha, a exigência da prova é discriminatória. “A profissão de advogado, no Brasil, é a única que pede a realização de um exame para ser praticada. Isso está errado.” Para ele, a regra não pode se restringir a uma só carreira. “Se é para ter, isso deve ser estendido a outras áreas”, diz. Uma possível reserva de mercado é colocada pelo deputado para sustentar o projeto. “Na medida em que se escolhe quem pode exercer a profissão, mantém-se um campo de atuação profissional de tamanho reduzido, eliminando a concorrência.”
Em defesa da prova, a OAB argumenta que o exame é um instrumento de controle da qualidade dos advogados. O presidente regional da entidade, Francisco Caputo, vai além: “Trata-se da única forma de proteção da sociedade civil contra a atuação de profissionais despreparados”. Aluno do 8º semestre de direito na Universidade de Brasília (UnB), Cássio Lourenço, 22 anos, engrossa o coro pela manutenção do exame. “Esse tipo de avaliação estabelece um padrão mínimo de conhecimentos que um advogado em início de carreira deve ter para exercer a advocacia”, diz o futuro bacharel, que se prepara para prestar o exame de ordem no fim do ano.
Presidente da Ordem dos Bacharéis do Brasil (OBB) — que congrega 2 mil afiliados e defende a extinção do exame —, Willyan Johnes não crê que a prova da OAB ateste a qualidade dos advogados. “Muito pelo contrário, ela é cheia de cartas marcadas.” Além disso, ele defende que não cabe a uma entidade de classe fazer esse tipo de avaliação. “É uma competência do Ministério da Educação (MEC), que, infelizmente, terceirizou a fiscalização.”
Sinara Gumieri, 22 anos, é graduanda em direito da UnB e foi aprovada na última edição do exame de ordem. Apesar de entender que, atualmente, a prova seja mais uma das etapas que devem ser superadas pelos futuros advogados, ela discorda da obrigatoriedade. “É uma medida inadequada para fomentar a qualidade dos advogados, pois se trata de uma prova acrítica, que não avalia a compreensão que o estudante tem do direito.”
Fiscalização
Professor da Faculdade de Direito da UnB, Alexandre Bernardino Costa acredita que o exame deva existir na medida em que a fiscalização por parte do MEC ainda é falha. “E a corporação dos advogados pode estabelecer esse exame, isso é garantido por lei”. Na visão do professor, o argumento de que a OAB quer garantir uma reserva de mercado não procede. “Não há número limitado de vagas. O que as provas querem é aferir o conhecimento daquele bacharel.” E questiona: “Só porque a pessoa concluiu o curso de direito ela está apta a exercer a profissão? É preciso comprovar isso”.
Outro argumento a favor da manutenção do exame reside na questão da quantidade de estabelecimentos de ensino superior que ensinam o direito. Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) de 1999 a 2001, o jurista Carlos Mário Velloso avalia que a proliferação das faculdades de direito acontece em razão da omissão dos órgãos governamentais e “ministram elas, salvo honrosas exceções, cursos abaixo da crítica”. Segundo Velloso, nos Estados Unidos, com cerca de 300 milhões de habitantes, existem cerca de 220 faculdades de direito. No Brasil, esse número é de 1,2 mil, para uma população que não chega a 200 milhões. “O resultado são cursos sem qualidade ministrados por professores improvisados. Os pobres bacharéis diplomados por essas escolas ‘caça-níqueis’ saem despreparados. Se forem advogar, ai de seus clientes, que podem ser prejudicados, o que é grave.”
Assim como o Brasil, outros países exigem uma prova que habilite o bacharel em direito para exercer a profissão. A coordenadora adjunta do curso de direito do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Dulce Furquim, explica que, em alguns deles, a defesa técnica de causas só pode ser feita depois de um longo processo. Na Inglaterra, por exemplo, para que o bacharel possa advogar nos tribunais de primeira instância, ele deve fazer uma prova e se filiar a uma associação de advogados. A atuação nas instâncias superiores depende de dois exames. Na Colômbia, além do estágio obrigatório feito após a obtenção do diploma, o estudante defende uma tese jurídica. A União Internacional dos Advogados (UIA, sigla em francês), entidade que congrega profissionais da advocacia de todo o mundo, explica que, na França, o processo consiste em três etapas (veja quadro).
Constitucional
A Lei nº 8.906/94 prevê e exige o exame de Ordem da OAB. A constitucionalidade desse processo foi julgada favorável em outubro de 2011 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O que se propõe agora, com o Projeto de Lei nº 2.154/2011, é que a norma seja alterada.
Agenda
Nesta terça-feira (7), a partir das 9h, membros da Ordem dos Bacharéis do Brasil e defensores da extinção do exame de ordem farão uma manifestação na Praça dos Três Poderes em prol do PL nº 2.154/2011.
Pelo mundo
Confira as exigências em quatro países para o exercício da profissão de advogado:
França
Ao sair da faculdade, o bacharel faz um concurso para seguir uma formação de 18 meses em um centro regional de formação de advogados. No fim, ele presta um exame de saída e, só depois, pode se inscrever na entidade de classe que o autoriza a exercer a profissão.
Estados Unidos
Os exames de admissão à carreira são facultativos e variam de acordo com o estado. No entanto, é obrigatória a inscrição nas ordens das cortes de cada estado.
Argentina
Não requer exame de admissão à carreira. Basta ter o diploma de bacharel em direito.
México
O diploma de bacharel em direito é suficiente. A colegiação não é obrigatória.
Fonte: Assessoria de assuntos internacionais da OAB e Instituto Brasiliense de Direito Público
Palavra de especialista Lobby de bacharéis
“O projeto de lei apresentado na Câmara constitui uma irresponsabilidade. Resulta de movimento de milhares de bacharéis despreparados, que não conseguem aprovação no exame. Há até uma associação desses bacharéis com a finalidade de combater o exame. O deputado está acolhendo o “lobby” desses bacharéis, que têm também o apoio de centenas de faculdades que ministram curso de má qualidade. Certo é que o exame está previsto em lei. A Constituição Federal, no art. 5º, inciso XIII, dispõe que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. A Lei nº 8.906/94 prevê e exige para o exercício da advocacia o exame da ordem. E por quê? Porque o advogado lida com valores importantíssimos: liberdade, patrimônio das pessoas, patrimônio material e patrimônio moral — a honra das pessoas. Por isso mesmo, a atividade da advocacia constitui exercício de serviço público (CF, art. 133; Lei nº 8.906/94, art. 2º, §1º).”
Carlos Mário Velloso, jurista, foi presidente do Supremo Tribunal Federal entre 1999 e 2001.