RIO — Cerca de 200 pessoas, entre parentes e amigos de policiais militares mortos, estavam concentradas no Posto Seis, em Copacabana, no início da manhã deste domingo, para uma caminhada pela orla. O movimento foi organizado pela cabo Flávia Lousado do Batalhão de Grandes Eventos. Segundo ela, a caminhada, batizada de “A vida do policial é sagrada como toda vida é”, pretendeu dar visibilidade para assassinatos de policiais “que nem chegam a ser publicados pela imprensa”. Por volta das 12h, o grupo seguia em caminhada pela orla.
— Este ano, já foram 31 mortos e outros 117 baleados. A gente quer conscientizar a sociedade para que as pessoas lembrem que estamos sendo vítimas da mesma violência que combatemos — informou Flávia.
Andréa Pontes, de 42 anos, é a esposa do sargento Eduardo Rogério Soares, reformado do 1º BPM (Estácio), que morreu no dia 28 de fevereiro deste ano durante um assalto a um posto de gasolina em Itaguaí. Ela também acompanhou o ato.
— Ele estava abastecendo o carro quando os bandidos anunciaram o assalto. Ele nem reagiu porque estava com a neta de dois anos no carro, mas quando foi identificado como policial acabou morto pelos bandidos — contou Andréa, que é a auxiliar de escritório desempregada e faz acompanhamento psicológico desde a morte do marido.
Esposa do soldado Marcelo Poydo, que morreu aos 30 anos, em abril deste ano, Michele Nascimento de Moura, de 26, levou o filho do casal, de 7 anos, para participar da caminhada. O menino, que se chama Caio, estava com farda do Bope:
— O sonho dele é ser policial também, mas não sei se aguentaria mais esse sofrimento.
Michele conta que o marido foi baleado quando fazia uma ronda em uma favela da Pavuna. Ainda segundo Michele, ela também está recebendo apoio psicológico desde a morte do policial.
— Até agora não descobriram os assassinos do meu marido. Ele foi o único baleado dentro da patrulha com um único tiro que atingiu a guarnição — lembrou Michele.
A irmã do soldado José Ribamar Freire Júnior, Larissa Freire, de 21 anos, também ainda aguarda a identificação dos assassinos do jovem que morreu um dia após completar 26 anos, dia 6 de setembro de 2013.
— Ele chegava de serviço e estacionou o carro em frente de casa, no bairro Riachuelo, quando foi rendido por assaltantes. Ele estava com a namorada, não reagiu, mas quando foi identificado como policial os bandidos o mataram. Eu vi tudo da janela de casa — contou Larissa.
A mãe do soldado Maria de Souza, de 47 anos, disse que tem medo e por isso sequer esteve na delegacia:
— A namorada dele é testemunha ocular e viu tudo e temos esperança de identificar os criminosos, mas eu queria denunciar o descaso do Estado, que chegou a me oferecer apoio psicólogo e cardiologista e depois bloquearam o atendimento, porque eu ainda não recebi o benefício como dependente. Ele não tinha esposa e nem filho, estou pagando psicólogo do meu bolso. Está sendo muito difícil para mim, era meu filho mais velho e me sinto morta. Eu era uma pessoa saudável e agora sobrevivo à base de remédios.
Rose Vieira, mãe do policial civil Eduardo da Silva Oliveira, de 46 anos, aproveitou a manifestação dos policiais militares para denunciar a morte de seu filho. O policial civil, segundo ela, foi morto por outro policial civil durante um assalto em Saracuruna.
— Primeiro disseram que ele morreu numa ação de troca de tiros com bandidos que atravessaram o carro no meio da pista para assaltar motoristas. Depois, soubemos que ele foi atingido pelo próprio policial que estava com ele no carro. Dois anos depois da morte do meu filho, o policial disse que foi um acidente. Ainda não houve julgamento e nós não recebemos nada do estado — lamentou Rose.
Cíntia Nascimento, de 29 anos, também participou da caminhada. Ela conta que assistiu a toda a ação dos bandidos que mataram seu marido, o cabo do Batalhão de Choque Leandro de Lima, morto em abril de 2013:
— Ele foi me buscar no curso que eu estava fazendo preparatório para polícia, estava com a moto que acabara de comprar e pretendia me fazer uma surpresa. Quando eu desci para encontrá-lo, vi que ele estava sendo abordado por dois homens, e um terceiro aguardava no carro. Quando os bandidos descobriram que ele era policial, ele foi colocado dentro do veículo. No meio do caminho, meu marido reagiu e acabou sendo atingido. Os três estão presos serão julgados ainda este ano. Depois disso, abandonei o curso, não quero ser polícia e faço acompanhamento psicológico desde então.
Atingido por uma granada no morro da Coroa, o policial Alessander de Oliveira Silva perdeu as duas pernas em 2011. O policial da UPP disse que foi à caminhada dar apoio às famílias de seus colegas mortos:
— Alguma coisa tem que ser feita, é muito triste ver os policiais ou outro trabalhador qualquer serem mortos dessa forma. Nossa luta é para que isso acabe. Tenho esperanças que a partir desta caminhada a sociedade acorde para o que está acontecendo. Toda vez que abro o jornal e vejo a notícia de um policial morto me lembro daquele sábado em que saí para trabalhar e planejava jogar bola depois .
O coordenador do Disque-Denúncia, Zeca Borges, também aguardava no Posto Seis para participar da caminhada.
— Sou mais um na rua. Como cidadão tenho orgulho de estar aqui acompanhando e fazendo número. Esse movimento pode ser o começo de alguma coisa que vai unir sentimentos de cidadania tanto do policial quanto dos cidadãos. É o povo e sua polícia. Estou aqui como povo, apoiando a minha polícia — disse Zeca Borges.
Com cartaz na mão, pedindo proteção do estado, o sargento Carlos Antonio Oliveira de Aquino, lotado no 25º BPM (Cabo Frio), foi com a mulher e os três filhos menores participar do ato. O menino, Cauã de 11 anos, veste uma farda da PM.
— Ele desfila comigo desde os 2 anos, estamos em todas as passeatas que pedem dignidade. Gostaria que ele fosse PM, mas não na situação em que a corporação se encontra hoje — comentou o sargento.
O policial conta ainda que, após ser preso ao reivindicar melhores salários e condições de trabalho, o filho já não sabe se quer ser policial:
— Ele não entendeu nada quando viu o pai preso em Bangu. Luto para tentar mudar alguma coisa, do contrário, como vai ser a vida dos meus filhos?
Parentes dos policiais mortos relataram no microfone, no alto de um trio elétrico, as circunstâncias das mortes dos agentes. Os discursos emocionados comoviam o público presente. Viúvas e mães choravam ao falar sobre as mortes. Mãe da policial Alda Rafael Castilho, morta em fevereiro de 2014, no Complexo da Penha, Maria Rosalina, de 60 anos, fez um desabafo:
— Continuo lutando, subindo morro em busca de provas de que minha filha foi morta durante o trabalho. Gostaria de uma resposta das autoridades. Não estou pedindo nada, quero só o direito que está me sendo negado que é de receber a pensão da minha filha. Fui onde ela trabalhava e vi o quanto ficava exposta e sem segurança. Essas UPPs são simplesmente um caixote. Eles brincam com a vida do povo e do cidadão. Isso tem que ser mudado. Sou semianalfabeta e bastou olhar para ver que aquilo não tem segurança. O coronel Frederico (Caldas que é o comandante das UPPs) me deu o telefone dele, mas nunca atendeu a uma ligação minha. O que vejo hoje, com os olhos abertos ou fechados, é o tanque de sangue que tirei da farda da minha filha. Ela está morta, mas temos muitos policiais vivos que precisam trabalhar. Que a morte dela sirva para mudar alguma coisa e que a gente não veja mais tantas mães chorando pelos seus filhos, porque o que mais tenho visto são mães sendo humilhadas toda vez que vão pedir a pensão dos seus filhos mortos.
A Polícia Militar informou que 29 policiais militares morreram este ano no estado. Desse total, sete estavam a serviço, e 22 de folga. Em 2013, foram 44 mortes (18 de PMs em serviço e 26 de folga). Os feridos em serviço neste ano foram 70. Em 2013, 349.