"O fim do Direito é a paz; o meio de atingi-lo, a luta. O Direito não é uma simples idéia, é força viva. Por isso a justiça sustenta, em uma das mãos, a balança, com que pesa o Direito, enquanto na outra segura a espada, por meio da qual se defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é a impotência do Direito. Uma completa a outra. O verdadeiro Estado de Direito só pode existir quando a justiça bradir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança."

-- Rudolf Von Ihering

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sábado, 14 de julho de 2012

190 no Ar - Documentário sobre ocupação do Alemão


Ex-comandante da PM que ocupou Alemão
compara operação com Guerra de Canudos

Em livro, coronel Mário Sérgio conta os bastidores da ocupação do conjunto de favelas

Em livro, coronel Mário Sérgio conta os bastidores da ocupação do conjunto de favelas




mario sergio
Mário Sérgio comandou a PM durante a ocupação do Alemão





Às 9h20 do dia 28 de novembro de 2010, o então comandante-geral da PM decretava a tomada do Complexo do Alemão em uma operação histórica: “Trouxemos a liberdade para Alemão”.
Dez meses depois de ser exonerado durante crise provocada pela prisão de um comandante acusado de ser o mandante da morte da juíza Patrícia Acioli, o coronel Mário Sérgio de Brito Duarte lança, na próxima segunda-feira (23), o livro Liberdade para o Alemão – O Resgate de Canudos, em que revela os bastidores da operação contra o quartel-general do tráfico de drogas no Rio. 

Atual secretário de Políticas Públicas de Segurança do município de Três Rios, no Sul Fluminense, o ex-01 da PM e que já esteve à frente do Bope (Batalhão de Operações Especiais), fala ao R7 sobre os bastidores da ocupação e faz uma autoavaliação de sua gestão à frente da corporação.

— Duque de Caxias sofre porque durante anos não aumentamos efetivo dos batalhões da baixada. Eu assumo as minhas falhas. Uma delas foi não conseguir dar efetivo para os batalhões da baixada, São Gonçalo e Niterói, por exemplo.
Leia a seguir a entrevista:
R7 - De que trata o livro?
Mário Sérgio de Brito Duarte - O livro se passa na semana que vai do dia 22, quando o secretário de Segurança me ligou para falar dos ataques que traficantes promoviam na cidade, ao dia 28, quando ocupamos o Complexo do Alemão. Usei os personagens reais e procurei ser o mais fiel possível à realidade. É uma história de bastidores, em que revelo as conversas entre autoridades, o clima nas forças policiais dentro dos quartéis, do palácio Guanabara, as com o secretário de Segurança, com o governador. Falo da guerra, dos momentos de conflitos, das brigas que tivemos na hora do combate.

R7 - Outras favelas já haviam sido ocupadas e pacificadas. Como surgiu a ideia do livro?

Mário Sérgio de Brito Duarte - A ideia de escrever sobre o processo de pacificação das favelas já existia, mas talvez daqui a uns cinco anos, até porque a previsão de ocupar o Alemão era pouco antes da Olimpíada, em 2016. Mas o tráfico nos ofereceu a janela de oportunidade com aqueles ataques e a gente não podia desperdiçar. Eu recebi ligações dos comandos das PMs de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, todos colocando equipamentos à disposição do Rio. O Brasil se uniu. Assim que houve a tomada, eu escrevi 80 páginas em menos de um mês. Depois, por falta de tempo, escrevi mais 80 páginas em um ano.

R7 - Como se deu a decisão de invadir os complexos do Alemão e da Penha?

Mário Sérgio de Brito Duarte - Era uma quarta-feira e eu estava almoçando com o governador, o vice-governador, o chefe da Casa Civil, o secretário e o subsecretário de Segurança e o ex-chefe de Polícia Civil no palácio Guanabara. Durante a conversa, recebo uma ligação do coronel Álvaro, que era o chefe do Estado-Maior da PM. Ele estava com raiva porque estava no entorno da Vila Cruzeiro e ouvia pelo rádio os traficantes debochando e xingando os policiais. Ele me pediu autorização para invadir a Vila Cruzeiro. Eu disse que estava autorizado e todo mundo me olhou. Eu me dei conta da gravidade da situação e disse ao governador que, caso ele achasse que não poderia entrar, eu desautorizaria o Álvaro. O governador então perguntou ao secretário Mariano, que autorizou a entrada.

R7 - Mas não houve nenhuma argumentação. Alguém se opôs?

Mário Sérgio de Brito Duarte - Ninguém foi contra, mas o governador me perguntou como estavam os meus blindados. Eu disse a ele que estavam gastos, sofridos, mas que iríamos entrar assim mesmo. O governador disse assim: 'Espera aí que eu vou arrumar blindados para você'. Como assim? De um dia para o outro? Eu vinha pedindo blindados há um bom tempo e era difícil. Às 18h, um almirante me diz que estava a caminho do Rio com os blindados e que chegaria por volta de 1h da madrugada. Tomei um susto.

R7 - O título do livro faz uma referência a Canudos. Qual é a relação que o senhor estabeleceu com a ocupação do Alemão?

Mário Sérgio de Brito Duarte - Não é exatamente a mesma coisa. Seria uma bobagem histórica traçar paralelo tão idêntico, mas Canudos era um conglomerado pobre, de extrato social pobre e que estava em armas. No Alemão, só os traficantes estavam armados, a população não. Em Canudos, todos estavam armados. Havia ambientes ideológicos. Em Canudos, era de caráter messiânico. No Alemão, havia um ambiente de dominação psicológica, mas através da ideologia da facção criminosa, que dominava a população pelo medo. Havia um cerco militar nos dois lugares. Em Canudos, houve um banho de sangue. No Alemão, havia expectativa de um grande banho de sangue. Foi como se o acaso, a sorte ou o destino tivesse nos dado a possibilidade de estar frente a frente com Canudos, só que, em vez de a gente destruir Canudos, a gente libertou Canudos.

R7 - O Alemão e a Penha receberam UPPs recentemente. Em algumas comunidades ainda há problemas. A PM falhou?

Mário Sérgio de Brito Duarte - Não penso em falhas. Essas áreas estiveram sob domínio de armas e subjugação da população há pelo menos 20 anos. Você não desconstrói isso de uma hora para outra. Isso precisa de tempo. Vai haver ajustes, mais efetivos e o Bope vai atuar nas áreas onde há problemas. O que é real é que não existe mais domínio do traficante com o seu fuzil dizendo que o Estado não entra aqui. Uma vez um traficante disse: 'O Estado é nós'. E isso acabou.

R7 - O aumento de crimes em áreas sem UPPs é atribuído à migração de traficantes das áreas pacificadas. Faltou planejamento?

Mário Sérgio de Brito Duarte - As UPPs permitem a prisão dos criminosos fora de um ambiente de guerra, com balas perdidas ferindo inocentes. A migração sempre existiu. Alguns traficantes saíram de suas áreas e foram pra outras. Isso é uma realidade. É preciso desconstruir, no entanto, a ideia de que houve uma migração em massa. Uma área não ficou pior por uma maciça migração. Duque de Caxias sofre porque durante anos não aumentamos efetivo dos batalhões da baixada. Eu assumo as minhas falhas. Uma delas foi não conseguir dar efetivo para os batalhões da baixada, São Gonçalo e Niterói, por exemplo.

R7 - Qual é o maior desafio da Polícia Militar?

Mário Sérgio de Brito Duarte - Você me fez uma pergunta difícil. Internamente, melhorar a imagem da corporação é uma necessidade. Correição, pauladas nos nossos, expulsão, isso não falta. A gente bota 200 homens na rua por ano. A PM exclui e expulsa muito, mas ainda tem muita gente envolvida com extorsão, tráfico de armas, jogo do bicho... Ainda tem muita gente envolvida com coisa errada, mas tende a diminuir, porque a vigilância é muito grande. Até políticos estão sendo monitorados, com escutas telefônicas. Para o Estado, eu penso que o desafio é avançar e consolidar a pacificação, além de aumentar os efetivos dos batalhões.
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Imagem registrada durante a ocupação do conjunto de favelas do Alemão em novembro de 2010 (Foto:Antonio Scorza/AFP)