Na sexta-feira, dia 29/08 completa-se mais um ‘aniversário’ da triste chacina de Vigário Geral, quando 21 inocentes foram assassinados da forma mais insana possível, em uma vingança sangrenta que tomou conta do noticiário internacional. A Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio, lembrou a data, mas já é possível perceber que aos poucos a cidade vai deixando as trágicas lembranças da chacina para trás. Os atos vão sendo esvaziados. O noticiário na TV vai ficando mais ralo, e até mesmo os nomes de mortos e matadores vão sendo menos escritos. Até mesmo um dos matadores foi morto em maio, sem que se fizesse muito alarde disto. Vigário Geral e o Rio de Janeiro se refletem em um espelho, quando somam impunidade e injustiça.Uma das parentes de vítima teve a indenização negada no fim do ano passado pela Justiça, sem maiores explicações. É obrigação do Estado recorrer, como manda a lei. Mas surpreendeu que em última instância a vítima tenha perdido. É inexplicável. Trata-se de uma senhora que até hoje vive em Vigário, sem maiores perspectivas. Não sabe nem que a vida lhe foi injusta. Já não sabe o que é vida.Poucos sabem, mas há um PM no caso de Vigário Geral que acabou se tornando vitima. Trata-se de Sérgio Cerqueira Borges, conhecido como Borjão.Borjão foi um dos presos que em 1995 já eram vistos como inocentes, colocados no meio apenas por ser do 9º´BPM. A inocência de Borjão no caso era tão patente que ele inclusive foi o depositário de um equipamento de escuta pelo qual o Ministério Público pôde esclarecer diversos pontos em dúvida.Borjão foi expulso da PM antes mesmo de ser julgado pela chacina. Era preso disciplinar por “não atualizar endereço”. Borjão conta até hoje que deu depoimento em seu Conselho de Disciplina sob efeito de tranqüilizantes, ainda no Batalhão de Choque. Seus auditores sabiam disto. “No BP-Choque, fomos torturados com granadas de efeito moral as vésperas do depoimento no 2º Tribunal do Júri, cujos fragmentos foram apresentados à juíza, que enviou a perícia. Isto consta nos autos, mas nada aconteceu”, conta Borjão, hoje sem uma perna e com a saudade de um filho, assassinado em circunstâncias misteriosas, sem que ele nada pudesse fazer.”No Natal fui transferido para a Polinter. Protestei aos gritos contra a injustiça. e Me mandaram para o hospital psiquiátrico em Bangu mas, por não ter sido aceito, retornei e em dias fui transferido para Água Santa. Lá também fui espancado e informei no dia seguinte em juízo, estando com diversos ferimentos, mas sequer fiz exame de corpo delito. Transferido para o Frei Caneca, pude ajudar a gravar as fitas com as confissões e em seguida fui transferido para o Comando de Policiamento do Interior. Após a perícia das fitas fui solto. Dei entrevistas me defendendo e tive minha liberdade provisória cassada e me mandaram para o 12ºBPM a fim de me silenciarem. No júri, fui absolvido. Meus pedidos de reintegração à PM nunca foram respondidos”.A história de Borjão ao longo de todos estes 15 anos só não supera mesmo a dor de quem perdeu alguém na chacina. Mas eu não estaria exagerando se dissesse que Sérgio Cerqueira Borges acabou se tornando uma vítima de Vigário Geral. “Tive um filho com 18 anos assassinado por vingança. Sofri vários atentados e um deles, a tiros, me fez perder parcialmente os movimentos da perna esquerda. Sofro de diabete, enfartei aos 38 anos e vivo com um tumor na tireóide. Hoje em dia tento reintegração à PM em ação rescisória, o processo é o número 2005.006.00322 no TJ, com pedido de tutela antecipada para cirurgia no Hospital da PM para extração do tumor. Portanto, vários atentados à dignidade humana foram cometidos. As pessoas responsáveis nunca responderão por diversas prisões de inocentes? Afinal foram 23 inocentes presos por quase quatro anos com similares seqüelas. A injustiça queima a alma e perece a carne!”, desabafa Borjão.Borjão hoje conta com ajuda da OAB para lutar por sua reintegração. Mas o desafio é gigantesco. Triste ironia do destino: o policial hoje mora em Vigário, palco da tragédia que o jogou no limbo. A filha dele, no entanto, me contou há alguns dias que não houve tempo suficiente para esperar pela Justiça e pela PM – Borjão teve que operar às pressas o tumor na tireóide no Hospital Municipal de Duque de Caxias. A cirurgia foi bem. Sérgio Cerqueira Borges vai sobreviver mais uma vez. Sobreviver de forma quase tão dura como os parentes de 21 inocentes, estas pessoas que sobrevivem mais uma vez a cada dia, a cada hora. No Rio de Janeiro é assim: as tragédias têm vários lados e a tristeza de quem tem memória dificilmente se dissipa. Pelo menos nesta data, neste 29 de agosto que nos asfixia.
artigo do jornalista Gustavo de Almeida
Um comentário:
Vejam matéria e fotos do making off das filmagens para o documentário sobre CALDEIRÃO DA SANTA CRUZ DO DESERTO, a comunidade que foi aniquilada, a exemplo de Canudos, por balas e bombardeios aéreos. Leia, Comente e divulgue:
http://valdecyalves.blogspot.com/2010/09/caldeirao-de-santa-cruz-do-deserto.html
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