"O fim do Direito é a paz; o meio de atingi-lo, a luta. O Direito não é uma simples idéia, é força viva. Por isso a justiça sustenta, em uma das mãos, a balança, com que pesa o Direito, enquanto na outra segura a espada, por meio da qual se defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é a impotência do Direito. Uma completa a outra. O verdadeiro Estado de Direito só pode existir quando a justiça bradir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança."

-- Rudolf Von Ihering

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sábado, 23 de julho de 2011

Rio - Candelaria Massacre - Brazil





CONHEÇA O CORONEL DA PMERJ QUE PRENDEU PMs INOCENTES, VALENDO-SE DO DESEJO DE SER ELEITO DEPUTADO.





MEET THE INNOCENT POLICE ACCUSED unjustly motivated by the desire to police colonel (VALMIRALVES BRUM) TO BE THE elected parliamentary STATE OF RIO DE JANEIRO.

Chacina do Vigário Geral
 Na madrugada de 30 de agosto de 1993, cerca de 50 homens encapuzados e armados com metralhadoras, escopetas e revolveres invadiram a Praça Catolé do Rocha, em Vigário Geral, disparando contra os moradores. Ao todo 21 pessoas foram executadas com tiros no tórax, pescoço e cabeça. Desde o início os principais indícios apontaram como executores policiais militares do 9º BPM, que teriam praticado o crime para vingar a morte de 4 colegas assassinados no local na noite anterior. Ao todo 33 policiais foram presos acusados da chacina.
 Um mês após o crime o então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, recebeu um relatório elaborado pela inteligência da Polícia Militar e pelo Ministério Público, denunciando a existência de um grupo auto-entitulado "Cavalos Corredores", composto por policiais e ex-policiais do 9º BPM, acusados de diversos crimes e que teriam ligação com o então Dep. Estadual Emir Larangeira, ex-comandante do 9º Batalhão.
A principal testemunha do crime de Vigário Geral e de todo esquema de propina foi o ex-policial Ivan Custódio Barbosa de Lima, que tinha participação em uma série de esquemas ilegais e decidiu contar tudo o que sabia por temer por sua vida. Seus depoimentos embasaram um série de denúncias e apurações posteriores a respeito de outras chacinas, esquemas de propinas ligados ao tráfico de drogas e outras ilegalidades cometidas por policiais.
Em 6 de julho de 1995, em depoimento à juíza Maria Lúcia Capiberibe, 17 Policiais Militares acusados da chacina de Vigário Geral apresentam como prova de sua inocência 5 fitas de áudio, gravadas na carceragem, nas quais um dos envolvidos no crime citaria o nome de outros policiais como executores da chacina. Tal gravação terminou por inocentar 10 dos acusados que apresentaram a gravação de denúncia.
A partir desta denúncia iniciou-se o processo que ficou conhecido como Vigário 2, no qual foram indiciados outros 19 Policiais Militares.
A partir deste processo, os promotores pediram ao juiz que libertasse os policiais que estariam colaborando com as investigações (aqueles que apresentaram a gravação de áudio). Eles foram libertados.
Posteriormente, 3 policiais inocentados pelas fitas e que teriam feito a gravação foram assassinados. 
O processo de Vigário Geral 1, no qual 33 policiais foram acusados, culminou, até o presente momento, em 6 condenações, 9 absolvições, 3 policiais não julgados por falta de provas e 10 policiais inocentados pelas gravações de áudio.
O processo de Vigário Geral 2, no qual 19 policiais foram acusados, resultou, até o momento, em 1 condenação, 8 liberações por falta de provas e 9 liberações no julgamento de 23/07/2003, quando a gravação de áudio que já havia inocentado 10 acusados foi considerado ilegítima.
Devido a essa demonstração de ilegitimidade da gravação de áudio, um novo julgamento deve ser marcado no processo de Vigário Geral 1, visando apurar a responsabilidade daqueles que foram inocentados pelos depoimentos das fitas.
A Comissão Teotônio Vilela tomou conhecimento do fato na época e acompanha seu andamento  por via da imprensa. Foram enviados ofícios requerendo a apuração e a punição dos responsáveis.    



Ricardo Molina
Perícias
Dentre as centenas de perícias realizadas nos últimos anos, destacamos alguns casos de maior repercussão:Principais Laudos



1995 - Chacina de Vigário Geral, RJ
Na madrugada do dia 29 de agosto de 1993, a favela de Vigário Geral no município do Rio de Janeiro, foi invadida por um grupo de aproximadamente cinqüenta homens encapuzados e fortemente armados, que arrombaram casas e assassinaram vinte e um moradores - jovens, adultos e crianças - atingindo famílias inteiras. Outros quatro moradores, vítimas do mesmo acontecimento, sobreviveram. Este ato ocorreu em represália à morte de quatro policiais militares, atribuído a traficantes daquela região, numa praça da mesma favela, denominada ?Catolé do Rocha?, no dia anterior.
 Caso Chacina de Vigário Geral - 1995; recuperação e transcrição de gravações, além da identificação da voz de nove policiais militares envolvidos com a chacina na favela de Vigário Geral - RJ







Slaughter of the Vicar General
 
At dawn on August 30, 1993, about 50 masked men armed with machine guns, shotguns and handguns stormed the square of the Catolé Rocha, Vicar General, shooting at residents. Altogether 21 people were executed with shots to the chest, neck and head. Since the early indications pointed as the main executors of the 9th Military Police Battalion, which had committed the crime to avenge the death of four colleagues killed on the spot the night before. Altogether 33 police officers were arrested accused of the massacre.
 
A month after the murder the then governor of Rio de Janeiro, Leonel Brizola, received an intelligence report by the Military Police and the Public Ministry, denouncing the existence of a self-titled "Horses runners", composed of police and former 9th Battalion of the police, accused of various crimes and that would link with the then Emir Larangeira State Department, former commander of the 9th Battalion.The main witness of the crime of Vicar General and the entire scheme of bribes was the former police officer Ivan Barbosa Lima Custodio, who was participating in a series of illegal schemes and decided to tell all he knew because he feared for his life. Their testimonies have shaped a series of allegations and subsequent findings about other killings, bribery schemes linked to drug trafficking and other illegal acts committed by police.On July 6, 1995, in testimony to Judge Maria Lucia Capiberibe, 17 military policemen accused of the massacre of Vicar General presented as proof of his innocence, five audio tapes, recorded in detention, in which one of those involved in crime cite the name of other officers as executors of the massacre. This record ended up exonerating the accused who had 10 recording of the complaint.From this complaint began the process known as Vicar 2, in which 19 others were indicted military police officers.From this process, prosecutors urged the judge to release the police officers who were cooperating with the investigations (those with the audio recording). They were released.Later, three police officers acquitted by the tapes and that would make the recording were killed.The process of a Vicar General, in which 33 police officers were charged, led to the present time in six convictions, acquittals 9, 3 police judged not for lack of evidence and 10 police officers acquitted by audio recordings.The process of Vicar General 2, in which 19 police officers were charged, resulted so far in a conviction, 8 releases for lack of evidence and the trial of nine releases 23/07/2003, when the audio recording that had acquitted 10 defendants was considered illegitimate.Given this demonstration of the illegitimacy of the audio recording, a new trial should be marked in the process of a Vicar General in order to establish the responsibility of those who were acquitted by the testimonies of the tapes.Teotonio Vilela The Commission took note of the fact at the time and follows their progress through the media. 
Were sent letters requesting the determination and punishment of those responsible.http://os.excluidos.zip.net/arch2006-04-16_2006-04-22.html





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Extraído de: Expresso da Notícia  - 03 de Setembro de 2003

TJ mantém absolvição de PMs de Vigário Geral




A 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça negou, por dois votos a um, o recurso do Ministério Público contra a absolvição de nove policiais militares acusados da chacina de Vigário Geral. O desembargador Giuseppe Vitagliano, relator do processo, havia votado pela anulação da decisão do II Tribunal do Júri, mas a desembargadora Nilza Bittar e o desembargador Francisco José de Asevedo entenderam que os jurados não decidiram em desacordo com as provas do processo: "Foram apresentadas duas teses e o júri preferiu a da defesa". O Ministério Público pode recorrer dessa decisão para o Superior Tribunal de Justiça.
O resultado da 4ª Câmara Criminal beneficia os policiais militares Carlos Teixeira, Gil Azambuja dos Santos, Sérgio Cerqueira Borges, Edmilson Campos Dias, Demerval Luiz da Rocha, Gilson Nicolau de Araújo, Adilson de Jesus Rodrigues, Jamil José Sfair Neto e Marcus Vinícius de Barros Oliveira. Eles foram denunciados pelo Ministério Público junto com outros 24 PMs, no processo que ficou conhecido como Vigário I. Desse grupo, apenas dois estão cumprindo pena.
A chacina de Vigário Geral completou dez anos no dia 30 de agosto e no próximo dia 12 mais um acusado sentará no banco dos réus. O juiz Luiz Noronha Dantas, do II Tribunal do Júri, marcou o julgamento do PM Sirlei Teixeira Alves, um dos principais acusados das 21 mortes e quatro tentativas de homicídio. Ele estava foragido até o ano passado, quando foi preso por ter participado de um assalto a uma agência da Caixa Econômica Federal, pelo qual foi condenado a oito anos de prisão pela Justiça Federal.


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Extracted from: Express NEWS - September 3, 2003
TJ keeps acquittal of Police of Vicar General



The 4th Criminal Chamber of the Court of Justice denied by two votes to one, the appeal of the public prosecutor against the acquittal of nine military policemen accused of the massacre of Vicar General.The judge Giuseppe Vitagliano, rapporteur of the case, had voted to overturn the decision of the Jury Trial II, but the federal judge and the judge Nilza Bittar Francisco José de Asevedo understood that the jurors decided not at odds with the evidence of the process: "We presented two theses and the jurychose the defense. "The prosecution can appeal that decision to the Superior Court of Justice.
The result of the 4th Criminal Chamber benefits the military police Carlos Teixeira, Gil Azambuja dos Santos, Sérgio Cerqueira Borges, Edmilson Field Days, Demerval Luiz da Rocha, Gilson Nicholas de Araujo, Adilson de Jesus Rodrigues, Jamil Jose Sfair Neto and Marcus Vinicius de Barros Oliveira. They were denounced by prosecutors along with 24 other MPs in the process known as Vicar I. Of that group, only two are in prison.
The slaughter of the Vicar General was ten years old on Aug. 30 and next day another 12 accused sit in the dock. Judge Luiz Noronha Dantas II of the grand jury, the trial marked the PM Sirlei Teixeira Alves,one of the main accused of 21 deaths and four attempted murders. He was a fugitive until last year when he was arrested for taking part in a robbery at a branch of the Caixa Economica Federal, for which he was sentenced to eight years in prison by a Federal Court.




COMO A FARSA DA INVESTIGAÇÃO OCORREU:

Juiz ouve testemunhas da chacina de Vigário Geral


Durou mais de três horas, o depoimento da segunda testemunha do processo da Chacina de Vigário Geral, coronel da PM Valmir Alves Brum. O primeiro a depor foi o delegado Pedro Paulo Abreu. Foram ouvidos também o tenente-coronel Denizar Quintas dos Santos e Ivan Custódio Barbosa de Lima, conhecido como informante da Polícia Civil. A fase dos depoimentos durou até o final da noite de sexta-feira (dia 22 de julho). Depois, entraram os debates, ondeMinistério Público e a Defensoria Pública mostraram suas táticas de acusação e de defesa.

No primeiro depoimento, o delegado, com 35 anos de carreira, e hoje lotado na sub-chefia de Polícia Civil, disse que não vem acompanhando o desenvolvimento do processo da chacina. Ele falou também que foi diretor da DAS, entre 1991 e 1992.
Já a segunda testemunha, o coronel Valmir Alves Brum, comentou que os acusados tinham vínculo de amizade com o sargento Ailton, ou seja, uma relação interpessoal. Ele disse que a hipótese de vingança de traficantes contra traficantes seria uma das quatro mencionadas em investigações. Ele não se recordava, porém, se o delegado Mário Teixeira Filho, da 39ª DP, teria feito ou não uma comunicação a ele sobre os autores da chacina.
Segundo as investigações, os quatro policiais militares, mortos no dia 28 de agosto de 1993, estavam se deslocando “por um caminho desconhecido e por um motivo também desconhecido pelo Batalhão”. O que se sabe é que foram interceptados por uma Kombi, com cerca de 10 traficantes, entre eles, Elias Maluco, o Gordo da Providência e Flávio Negão, sendo todos depois executados dentro da própria viatura.
A testemunha informou também que a investigação foi conduzida por uma equipe multifuncional e que várias hipóteses foram levadas em consideração, entre elas, a de que a gênese da chacina teria sido praticada por líderes do tráfico da Favela de Vigário Geral. Uma outra hipótese foi a de que as ações da chacina tinham características de atuações militares, como a forma de invasão da favela e o esquema das distribuições das mortes.
Segundo o coronel Brum, devido a suspeita prévia do desdobramento da morte de policiais por traficantes, foram infiltrados homens da própria polícia nos enterros dos quatro PMs mortos, que fizeram imagens das reações dos policiais amigos e envolvidos com os executados. A partir dessas imagens analisadas, a principal linha de investigação foi voltada para dentro dacorporação militar.

O coronel Brum comentou ainda que soube através de depoimentos, do próprio Ivan  

Custódio, de que ele seria informante da Polícia Civil, ou seja, um X-9





REPORTAGEM DE VEJA
VIGÁRIO GERAL
Data: 8 de setembro de 1993

O rosto da barbárie

Uma quadrilha de PMs que integram
um grupo de extermínio invade a favela
de Vigário Geral com armamento pesado
e massacra 21 inocentes

Madrugada de domingo 29. Praça Catolé da Rocha, na favela de Vigário Geral, Zona Norte do Rio de Janeiro. Quatro PMs são assassinados com tiros de AR-15, uma arma americana de alta precisão, e disparos de pistolas automáticas.
Madrugada de segunda 30. Cerca de trinta homens encapuzados se espalham pela favela de Vigário Geral. Em sessenta minutos, 21 moradores foram executados. Na rua, no bar e em casa. Vinte trabalhadores e uma estudante.
Sexta-feira passada, no Batalhão de Choque, no centro do Rio. Cinco PMs são presos, suspeitos da chacina. Na casa de um PM, Hélio Vilário Guedes, a polícia encontrou dezessete capuzes, uma peruca e uma mira a laser para pistolas. Na residência de outro, o cabo Paulo Roberto Borges da Silva, descobriu uma carga pesada de armamentos, inclusive munição para pistolas 380, 45 e 9 milímetros e fuzis AR-15, armas usadas no massacre, e um Santana verde metálico, igual ao carro visto por uma testemunha da chacina.
"Bandido é bandido, polícia é polícia. Como água e azeite, não se misturam", disse certa vez o bandido mais famoso do Rio, Lúcio Flávio Villar Lirio. Morto na cadeia com 28 facadas, em 1975, Lúcio Flávio protagonizou dezessete fugas da prisão, acabou indiciado em 500 inquéritos e tornou-se estrela do filme . Mas sua frase foi sepultada na Vigário Geral. Romperam-se as fronteiras entre a polícia e a bandidagem. "Está claro que esses policiais têm um grupo de extermínio e matam", afirma o vice-governador, Nilo Batista, que acumula o cargo de secretário da Polícia Civil. Os cinco PMs presos têm uma história comum. Todos passaram pelo 9º Batalhão da PM, a corporação a que estavam vinculados os quatro PMs assassinados em Vigário Geral. A investigação sobre a barbárie de Vigário Geral produziu a prova científica de que uma parte da PM fluminense apodreceu.
Os principais indícios obtidos pela polícia têm origem no relato de uma testemunha entrevistada pelo telejornal Aqui Agora, do SBT, e até agora mantida no anonimato. O depoimento conta detalhes da morte dos quatro PMs e, no dia seguinte, dos 21 inocentes. É uma seqüência lógica e indica que os policiais foram à favela para extorquir os traficantes. Estacionaram o automóvel na Praça Catolé da Rocha e foram até a boca de drogas da favela. Dinheiro no bolso, fizeram o caminho de volta para o carro. O cerco dos traficantes estava armado. Sob a liderança de Flávio Pires da Silva, de 23 anos, conhecido como "Flávio Negão", o chefe do tráfico que acusa a corporação de ter matado seu irmão em 1992, começou o tiroteio. O sargento Aílton Ferreira dos Santos morreu com um tiro na nuca. O soldado José Santana, com um tiro na cabeça. O soldado Luis Mendonça foi alvejado no olho direito. O cabo Irapuan Caetano, o único que já havia embarcado na viatura, recebeu um disparo na testa e outro no olho.
Ainda não existem provas cabais da extorsão. Mas a perícia mostra o grau de selvageria dos homens que promoveram a chacina no dia seguinte. Nenhum dos 21 mortos teve chance de se defender. Na noite de domingo, os encapuzados se espalharam por pontos diferentes da favela. Na Praça Córsega, um grupo metralhou todos os trailers de ambulantes que vendem bebidas e refrigerantes e fez a primeira vítima, Fábio Pinheiro Lau, de 17 anos. Depois executou Hélio de Souza Santos, de 38, metalúrgico desempregado. Minutos mais tarde, explodiu uma bomba no Bar do Caroço, propriedade do aposentado Joacir Medeiros, 69 anos. O grupo encapuzado chegou ao bar dando "boa-noite". Todos responderam. Um quis saber quem trabalhava. Todos trabalhavam. O grupo fez menção de ir embora. De costas, um encapuzado jogou a bomba, de efeito moral. Começaram os tiros. Joacir, dono da birosca, foi o primeiro. O enfermeiro Guaracy Rodrigues, de 33 anos, caiu no salão. No balcão foi morto o serralheiro José dos Santos, de 47. No banheiro caiu Paulo Roberto Ferreira, 44, motorista. No depósito, dois: o ferroviário Adalberto de Souza, 40, e o metalúrgico Cláudio Feliciano, 28. O último morreu no corredor, sem saída: Paulo César Soares, 35.
Outros dois grupos agiam pelas ruas. Cortaram os fios dos telefones públicos da favela. Encontraram o gráfico Cleber Alves, 23 anos, que ia para casa. Testemunhas contaram o diálogo:
- Não me matem que eu sou trabalhador. Trabalho na gráfica ali fora - implorou Cleber, procurando no bolso a carteira de trabalho.

- Você vai morrer aqui mesmo - responderam.
- Pelo amor de Deus, moço, não me mate - insistiu o gráfico. Mataram.

O terceiro grupo estava na rua de acesso a outro bar. No caminho, vinham dois amigos. Clodoaldo Pereira, de 21 anos, e Amarildo Baiense, de 31. Mais duas mortes. "Clodoaldo alegou que era trabalhador", diz seu pai, o pintor de paredes Aprígio Pereira da Silva, 54 anos. Perto dali, o mecânico Edmilson Costa, 23, também voltava para casa. à sua frente iam sua mulher, Rose Maria, 25, e as duas filhas pequenas. Foram pegas pelos encapuzados. "Edmilson veio em meu socorro, pedindo para me deixarem", contou Rose no cemitério. Os assassinos fizeram uma troca. Mandaram Rose correr com as crianças, sem olhar para trás. Ficaram com Edmilson. Ela ouviu o marido implorar "não me matem, sou trabalhador". Mataram.
Os assassinos ainda invadiram a casa em frente, do vigia Gilberto Cardoso dos Santos, 61 anos. Família de evangélicos, todos dormiam. Luciano, 24 anos, acordou com o barulho. Quis levantar-se. "Deita aí, não levanta não", ordenou um assassino. Luciano quis saber o que estava acontecendo. Segundo relatou depois uma das crianças que fugiram, não teve resposta. "Aqui somos todos trabalhadores", disse. Ouviu uma sentença. "Mas vamos matar todos desta casa." Começaram por Luciano e Lucinéia, 23 anos. No quarto, mataram dona Jane, 58 anos, abraçada com a nora Rúbia, 18 anos. Aos seus pés, ficaram os corpos do marido e da filha Lucia, 33 anos. Na sala, Luciene, que na terça-feira completaria 16 anos, morreu dormindo no sofá. Lucinete, 27 anos, caiu perto da porta. Os assassinos mandaram as quatro crianças, entre 9 e 5 anos, taparem o rosto antes de morrer. Até um dos criminosos achou que era demais. Mandou que elas fugissem. A mais velha, de 9 anos, comandou a fuga. Subiram uma escada de acesso à laje no pavimento superior. Dali, pularam para a rua, de uma altura de 2 metros. A menina carregava no colo sua prima, um bebê de 15 dias.
"Os cinco policiais presos estão vinculados a um grupo conhecido como Cavalos Corredores", diz o tenente-coronel Valmir Brum, que comanda as investigações. É mau sinal pertencer aos Cavalos Corredores. O grupo, formado por policiais do 9º Batalhão, foi batizado com esse nome exótico pelo hábito de entrar nas favelas correndo e atirando. Surgiu na época em que o 9º Batalhão estava sob o comando do coronel Emir Larangeira, que deixou o cargo em abril de 1990 para assumir uma cadeira na Assembléia Legislativa como deputado estadual pelo PSDB. Pouco depois, os Cavalos Corredores foram acusados de seqüestrar e chacinar onze meninos do bairro de Acari, na área do 9º Batalhão. O coronel Larangeira saiu em defesa de seus ex-comandados. Mas houve uma curiosa coincidência. Em 1991, uma das mães de Acari, Edméia Eusébio, foi à polícia reconhecer os acusados. Um deles era o cabo Paulo Roberto Borges da Silva, um dos presos por suspeita de participar da matança em Vigário. Na hora do reconhecimento, apareceu o coronel Larangeiras. Munido de um advogado, contestou a legalidade do processo. Intimidada, dona Edméia não reconheceu ninguém. Seis meses depois foi assassinada.
Na semana passada, o coronel-deputado subiu à tribuna para pedir o impeachment do governador Leonel Brizola em nome do horror de Vigário Geral. Ao voltar para o gabinete, teve uma notícia desagradável. Além das armas e capuzes apreendidos na casa dos PMs, a polícia encontrou uma carteira de assessor com o brasão da Assembléia. O documento, expedido em fevereiro de 1991, tem validade até 1995 e está no nome do mesmo cabo Borges da Silva. A carteira mostra que o cabo é assessor de imprensa do deputado. "Essas carteiras não servem para nada, só facilitam o acesso ao meu gabinete", explica-se o coronel-deputado. "Dei um monte delas para PMs meus amigos."


A cara do fim do mundo

Atrás de um muro de 3 metros de altura

sobrevivem os 30.000 moradores de
Vigário Geral, um lugar aonde o poderpúblico, quando entra, chega atirando
Marcelo Auler e Marcos Sá Corrêa
No Parque Proletário de Vigário Geral, o poder público tem marcas de bala. As marcas são visíveis em escala monumental na fachada do Ciep Mestre Cartola, onde a arquitetura de Oscar Niemeyer foi tantas vezes picotada por tiros perdidos que não se retocam mais no reboco as cicatrizes do fogo cruzado. Estão inscritas nas baixas da semana, em que saiu ferido o servente Ubirajara Santos e ficou viúva a merendeira Maria de Lourdes dos Santos. E ficaram na memória do ex-prefeito Marcello Alencar, que no passado gravou ali dois vídeos de propaganda eleitoral, levando a escola para a campanha na TV como troféu administrativo. "A escola fica entre duas favelas dominadas por grupos rivais de traficantes, o de Vigário Geral e o de Parada de Lucas. Era tanto tiro que tive de mandar erguer um muro alto em volta do prédio, ou não haveria aula", recorda Marcello Alencar.
Recorda errado. "Cadê o muro?", perguntava na manhã de quinta-feira passada o diretor, Alberto Silva, ao reabrir o Ciep três dias depois da carnificina que botou Vigário Geral no mapa-múndi. "Estamos aqui há sete anos. Temos 59 funcionários e professores. Nunca um deles foi assaltado dentro da favela. Temos 500 alunos da 1ª à 4ª série. Jamais houve criança ferida. Temos televisão, videocassete, freezer e aparelho de som na escola. E não houve nenhum roubo de material até hoje", informa o diretor.
Engana-se o ex-prefeito. Exagera o diretor. Não existiu o tal muro, mas o transformador que dá luz ao Ciep está escondido num bunker. "Antes, o transformador ficava no alto do poste. Perdemos dois no bangue-bangue", diz a professora Ana Maria Bento Mota, a primeira diretora do Ciep Mestre Cartola. Ela tem tarimba. Passou 23 anos dirigindo escolas públicas entre as favelas de Parada de Lucas e Vigário Geral. Hoje cuida de outro Ciep inóspito, o Brandão Monteiro, encravado entre treze favelas da Penha. A professora Ana Maria já viu tanto cano de revólver trabalhando no magistério que agora tem medo de ser assaltada e reagir com desdém.
"Robertinho de Lucas", a atual celebridade do tráfico no local, foi outrora seu aluno José Roberto da Silveira Filho. "Para a coisa funcionar, tive de educar o que chamo de 'meninos'.", diz Ana Maria. Filha de militar, a professora mora numa rua, no subúrbio de Bonsucesso, onde a segurança é garantida por uma banca de jogo do bicho. Há um ano e meio, deixou implantada, na forma de escola, a única repartição que atesta a existência do governo na favela de Vigário Geral - um lugar aonde o serviço público, quando entra, chega atirando.
Faz diferença uma escola municipal num lugar como Vigário Geral. Do lado de fora, há esgotos a céu aberto. Dentro, bebe-se água filtrada em copo limpo, fala-se em telefone sem ser orelhão e combatem-se os surtos de sarna que todo inverno infestam as crianças. As campanhas de vacinação acampam no Ciep. O portão por onde entram os 350 alunos de Parada de Lucas fica do lado oposto ao que é usado pelos que vêm de Vigário Geral. No pátio e nas salas de aula mistura-se e reconcilia-se a próxima geração das duas favelas desafetas.
Fora a escola, o outro sinal da existência de autoridades constituídas na vizinhança de Vigário Geral é a linha imaginária que passa atrás do Ciep, separando o labirinto de construções irregulares de um matagal baldio de contorno rigidamente geométrico. É o fundo de um terreno do Centro de Reparos do Corpo de Fuzileiros Navais. Lá não se põe um tijolo. Não há muro nem invasão. Essa demonstração abstrata de autoridade parece estar ali para lembrar que os militares têm um projeto para o Brasil.
O resto da paisagem de Vigário Geral é um cenário ocupado por símbolos das capitulações governamentais. Afundada num solo baixo, com todos os horizontes tapados por bibocas, a favela só avista do mundo exterior os jatos a caminho do aeroporto internacional da ilha do Galeão, que na aterrissagem voam tão baixo que se pode ler o logotipo na fuselagem. Vigário Geral fica a meia hora do Rio, quando o trânsito está limpo na Avenida Brasil, mas não há acesso direto da favela à porta de entrada da cidade. O segundo trecho da Linha Vermelha, que fará a ligação expressa da subida da serra com a Zona Sul, também está passando ao largo. Há quarenta anos, o Parque Proletário de Vigário Geral se esparrama atrás de um muro de 3 metros de altura, cercando um ramal secundário de trem suburbano.
Só existem duas entradas na favela, além de um buraco no muro do trem, que passava diretamente pelos trilhos e foi fechado. A primeira é uma rua que atravessa Parada de Lucas, meio asfaltada, meio de terra, e ainda por cima encrespada por um dique de quebra-molas. A outra é uma passarela para pedestres sobre a via férrea, que desemboca na rua onde na semana passada a blitz de extermínio atacou o bar e a família de crentes. Na favela intramuros, começa o outro mundo.
Há cinqüenta anos, a favela começou a fincar as primeiras palafitas numa área alagada onde uma dinastia de proprietários de terras pensou em ganhar dinheiro no começo do século convertendo uma fazenda em loteamento para cariocas na pindaíba. Os invasores aterraram o mangue, trocaram os barracos de madeira por cubículos de alvenaria e canalizaram água para 95% dos 1.500 domicílios, onde atualmente se empilham 30.000 moradores, 2.300 famílias e 1.800 eleitores. Em 1985, a prefeitura adaptou um pardieiro na boca da favela para abrigar a Creche Dona Neuza Brizola. Atendia a 100 crianças. Em 1990, a creche fechou para reformas. Nunca mais reabriu. Segundo uma lenda local, está pagando uma traição eleitoral da comunidade ao vereador pedetista Pedro Porfírio. A Light, como a creche, chegou em 1985, oficializando o fornecimento de luz, que, através de ligações informais, a precedeu por mais de duas décadas. Os moradores não se acostumaram a pagar regularmente as suas contas. A companhia tirou os relógios. Ficou a eletricidade.
"Fizemos tudo sozinhos", diz o presidente da associação de moradores, Nahildo Ferreira de Souza, ferroviário aposentado, ex-militante comunista, comerciante falido de tanto vender fiado. Ele passou na favela 32 de seus 65 anos, perdeu um filho, Adalberto, na tragédia de domingo, sem poder sequer aproveitar-lhe os rins para transplante porque o cadáver ficou doze horas na rua. Nahildo é doente renal. Para viver, faz hemodiálise, um tratamento que o colapso da medicina pública no Rio de Janeiro está quase paralisando. Mas é imortal na favela. Tem seu nome, em letras garrafais, a quadra de esportes polivalente para vôlei, basquete e futebol inaugurada pela associação de moradores no dia 21 de agosto, uma semana antes da matança. A quadra, obra comunitária, está limpa. Separado dela por um muro, o leito da ferrovia, que é público, virou depósito de lixo.
Quadra polivalente naquele lugar não é luxo. Os favelados de Vigário Geral não aderiram ao futebol soçaite por boniteza, mas por falta de espaço - o que talvez explique a seleção de Parreira. O decano da favela, o pintor de paredes Aprígio Pereira da Silva, que se instalou em Vigário Geral em 1954, é de um tempo em que se morava sobre palafitas, porém entre "oito ou dez campos de futebol". Aprígio é testemunha de como Vigário Geral piorou. Pernambucano de Caruaru, fundador do XI Unidos, um time de pelada promovido a associação comunitária, ele criou ali nove filhos. Um deles morreu a tiros na porta de casa há três anos e meio. No domingo, mataram seu genro.
Vigário Geral é a soma de modelos paralelos de crescimento urbano do Rio de Janeiro, criados ao deus-dará e divididos pelo leito da velha estrada de ferro Leopoldina Railway, matriz de alguns dos subúrbios mais remotos da cidade. De um lado da linha, Vigário Geral é um bairro pobre em processo de deterioração. Do outro, é uma favela que nasceu ruim e está ficando inabitável. "As pessoas só pensam em mudar dali", diz a professora Ana Maria. "Fui ao enterro dos 21 moradores na segunda-feira e encontrei vários alunos dizendo que iam embora." Há muitas placas de "vende-se" na porta das casas. Nenhuma parece pintada nesta semana.
Nos livros da prefeitura, as duas metades de Vigário Geral formam uma Zupi, Zona de Uso Predominantemente Industrial, no jargão do Plano Diretor Decenal da Cidade, aprovado em março deste ano. Não será por excesso de fábricas. Ao todo, estão cadastrados 224 imóveis não residenciais - incluindo três postos de gasolina, onze oficinas mecânicas, dezenove botequins e oito supermercados, além dos inumeráveis ferros-velhos. Industrial, no caso, é a falta de serviços próprios de zonas residenciais. Não há um só posto de saúde, para não falar em hospitais, para uma população que deve beirar 50.000 pessoas. O bairro está diminuindo. Tinha 39.020 habitantes em 1980 e 36.742 em 1991. A favela, na mesma década, explodiu. O Instituto de Planejamento do Rio de Janeiro lhe atribuía dois anos atrás 6.428 moradores. A associação comunitária, quase cinco vezes mais. Ou seja: ninguém sabe.
No Arquivo Geral da Cidade, os noventa anos de Vigário Geral não enchem uma página. Na sede da XI Região Administrativa, a informação também é rala. Quem guarda a história do bairro é o carpinteiro aposentado Manoel Pio da Cruz, 63 anos, exemplo pacífico de como as autoridades brotam por geração espontânea nos locais que os governos abandonam. Ele juntou dinheiro para comprar uma casa em Vigário Geral em 1952. Desconfiou da regularidade dos papéis. Procurou os primeiros donos. Foi bater na porta de dona Ida Bulhões Marcial, matriarca da família que comprou fazendas em 1810 e começou a esquartejá-las em lotes exatamente 100 anos depois. Era época de modernização urbana no Rio. Ou seja: despachava-se o populacho dos cortiços cariocas para tirá-lo do caminho das avenidas. Cruz se tornou o administrador das empreitadas imobiliárias dos Bulhões Marcial.
"O bairro era o fim do mundo. O pessoal pobre se interessou logo porque aqui era muito mais barato. O lugar era desvalorizado. Não havia casas. O acesso era difícil. Um terreno custava quatro vezes menos do que na Penha. Até hoje a proporção é mais ou menos essa", ele contou a Maria Elisa Alves, de VEJA. A má-fé vem de longe, nas relações entre os pobres e o direito de propriedade em Vigário Geral. Mas Cruz faz o que pode: "Todo mês recebo pessoalmente o aluguel das dez casas que ela mantém no bairro e levo para a família. Ganho 3% do que arrecado". De quebra, ainda tenta evitar que outros oitenta terrenos restantes no espólio Bulhões Marcial sejam invadidos: "No início esse bairro era uma bagunça. Fui contratado para botar ordem".
Que ordem? Cruz explica: "O Estado sempre foi omisso. O abastecimento de água, por exemplo, só chegou em meados da década de 50". Sinal de que a concepção imobiliária dos Bulhões Marcial não era muito diferente da praticada pelos favelados: primeiro se constrói, depois o governo urbaniza. Mas governo no Rio não merece a confiança nem do pobre nem do rico. Nem sequer do remediado: "Sempre foi um sufoco. Os moradores abriam poços em casa para ter água". Agora mesmo, a casa de Cruz completou um ano e meio sem receber uma gota encanada. "Aluguei a casa três vezes e os inquilinos abandonaram. Reclamei diversas vezes, mas ninguém se interessa pelos moradores daqui." Oitenta por cento dos domicílios não têm esgoto. Cruz reside em dois andares, quatro quartos, quintal e varanda. E tem uma vala negra na porta. Conclusão: "A única diferença entre Vigário Geral e a favela do lado de lá é que nela não tem asfalto".
Cruz não está sozinho. "O bairro e a favela são iguais em matéria de saneamento. O governo não dá assistência, esqueceu completamente isso aqui", diz o presidente da Associação dos Moradores e Amigos do lado asfaltado, o metalúrgico Manoel Luís. "Somos todos iguais, todo mundo pobre", diz o vigia Carlos Pinto de Souza. Iguais até perante o tráfico de drogas. Cruz, que está ali para pôr ordem no bairro, admite: "Para conviver com os bandidos, temos que manter o bico calado. Se um malandro de lá pedir água, dinheiro ou abrigo, temos que dar. As regras são as mesmas a que os favelados obedecem". Cinco anos atrás, sua casa serviu de refúgio para dois traficantes escaparem de outros dois traficantes, com o rigor contábil de quem recolhe aluguel e a flexibilidade de quem mora em Vigário Geral: "Deixei eles entrarem e, quando a polícia invadiu a casa, já tinham sumido pelo jardim".
Favelado no Rio de Janeiro não é o morador de barraco. É qualquer deserdado dos serviços públicos. Embora, segundo os cálculos da prefeitura, a cidade esteja em plena febre imobiliária dos "assentamentos populares", neologismo cunhado para o conjunto de favelas e loteamentos piratas. Eles se expandem à velocidade de 80 milhões de tijolos, 20.000 domicílios e 300 hectares por ano. Têm total imunidade contra as posturas municipais, que mal enquadram 35% das edificações. Vistos do alto desses números, dão a impressão de dominar a cidade. De outro ângulo, desenham a caricatura da concentração de renda: metragem média de 30 metros quadrados, 50% de domicílios sem nenhum tipo de instalação sanitária, tudo empilhado em 10% dos terrenos edificados na cidade.
Em fevereiro de 1972, no jornal O Globo, o "bairro septuagenário" arrolava as queixas da população. Eram banais lamúrias suburbanas. "A mosquitada aqui é um inferno." "As três praças estão abandonadas." "Tem muito rato e barata." Na lista, quase desaparecia o aviso: "As duas favelas do bairro escondem dezenas de pontos-de-venda de entorpecentes, especialmente cocaína". Adiante: ".'Marquinho' manda na favela de Vigário Geral, a maior e mais perigosa".
Estreava na imprensa a lenda do foco inviolável de banditismo. Lá dentro, nascia a mitologia inversa, do criminoso tutelar. Dessa época, diz o líder comunitário Nahildo Ferreira de Souza: "Apareceu aqui Marcos Rosa. Vivia em Vigário Geral fazendo assaltos. Mandei chamá-lo. Ele veio a minha casa cheio de armas. Reclamei que ele assaltava nossa gente. Ele me deu razão. Decidiu que não haveria mais roubo dentro da favela. Só que um tal de 'Zé do Beiço' resolveu roubar um aparelho de televisão. Marcos Rosa o obrigou a devolver. Depois teve um rapaz que tentou estuprar a prima e perdeu um pedaço do dedo".
Ainda havia posto policial na favela. Ele foi suprimido nos anos 80, ao mesmo tempo em que começavam a sair no jornal notícias sobre a guerra entre os traficantes de Parada de Lucas e Vigário Geral e as escaramuças com a Polícia Militar. A vindita entre as favelas é debitada a uma partida de futebol, oito anos atrás, quando a torcida de Parada de Lucas matou o goleiro de Vigário Geral. A ojeriza à PM data de 2 de agosto de 1988, quando soldados do batalhão de Duque de Caxias, disparando de cima da passarela, mataram João Evangelista de Souza, 25 anos, operário.
A ordem desertou a favela. O pátio do Ciep Mestre Cartola está atualmente tomado pelo capim alto, escondendo poços abertos de drenagem cheios de água escura. Por quê? "A Comlurb não aparece mais para capinar", alega o diretor, Alberto Silva. Sua antecessora, Ana Maria Bento Mota, diz que, antes de sumir, os garis começaram a aparecer como se fossem para um combate contra o capim da escola. "Vinham num caminhão cheio de homens. Era para fazer o serviço depressa e sair correndo." A precaução insuflava as desconfianças. A PM atiçava os ressentimentos. Passou a invadir ocasionalmente a escola, no meio das aulas, com alunos no prédio, para procurar esconderijos de bandidos num terraço onde eles jamais estavam. Transformado em escudo nos duelos noturnos entre as quadrilhas e em alvo diurno das batidas policiais, o Ciep não conseguiu até hoje abrir seu consultório médico, equipado até com autoclave e mesa para exame ginecológico. Falta equipe para inaugurar a sala.
A debandada dos serviços básicos rendeu Vigário Geral aos traficantes. A Polícia Militar do Rio de Janeiro tem, por isso, duas investigações a efetuar. Primeiro, o que fizeram seus efetivos na noite das 21 execuções. Depois, esclarecer por que, durante anos, considerou impenetrável uma favela onde professores desarmados ensinam e o caminhão de entrega dos biscoitos Piraquê passa religiosamente uma vez por semana, só com um motorista e um ajudante a bordo. No trajeto, que é o mesmo do entregador de gás e de outros fornecedores regulares das biroscas encravadas na Rua Antônio Pimentel, passa por Parada de Lucas. Franqueia assim uma fronteira que a PM considera interditada. E estoca as prateleiras de Vigário Geral com atestados de vida normal. Não é traficante que vende, por exemplo, iogurte de morango.



CRISTINA LEONARDO, UMA ADVOGADA QUE DEU ASSISTÊNCIA AOS PARENTES DAS VÍTIMAS DE VIGÁRIO GERAL, NA CONDIÇÃO DE ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO; CUJA PESA SERIAS DENÚNCIAS DE FORJAR TESTEMUNHAS

LENINE APRESENTA TESTEMUNHA

Subsecretario de Seguranca afirma que novo depoimento desmente denuncias e lanca dossie contra advogada que ajudou informante
Fernanda Galvao
Acusado na semana passada de receber propina do traficante Celsinho da Vila Vintem, o subsecretario de Seguranca Pubica, coronel Lenine de Freitas, apresentou ontem um dossie contra a advogada Cristina Leonardo, responsavel por intermediar o programa de protecao a testemunha para o informante Hugo, que depos na quarta-feira na Corregedoria Geral de Policia. Lenine acusa Cristina de comprar um testemunho, em um caso de desaparecimento de uma menina de 9 anos, em 1995.
Lenine tambem apresentou uma nova testemunha, ouvida ontem, que segundo ele, desmascara, o depoimento de Hugo. Luis Claudio, o novo nome no caso, teria levado Hugo a Lenine ha 20 dias, com denuncias sobre Marcio Jose Guimaraes, o Tchaca. O Luiz Claudio desmoraliza esse garoto (Hugo), e mostra que o depoimento dele e contraditorio, afirmou Lenine, que voltou a acusar a advogada e o coronel Valmir Alves Brum, ex-assessor da Ouvidoria da Policia, de forjar um complo contra ele.
Cristina disse que conheceu Hugo na quinta feira. Segundo ela, o dossie apresentado tinha a intencao de desvalorizar a testemunha, e ja foi utilizado contra ela durante o julgamento dos envolvidos na Chacina de Vigario Geral, sem sucesso. Para a advogada, Lenine esta se defendendo prematuramente, ja que Hugo ainda nao depos no Ministerio Publico Federal. Comeco a me preocupar, achando que existe algo por tras disso. Por que ele foi buscar um caso de 95?.
Segundo Cristina, se Lenine tem mais uma testemunha, que a leve ao MP. Ela aproveitou para mandar um aviso: O governador tem de colocar ordem na casa, senao quem vai colocar sou eu. Vou pedir uma intervencao da Assembleia Legislativa na Secretaria de Seguranca pois esta policia cliente lista nao pode existir em um estado democratico, atacou.
Minc quer explicacao sobre exoneracao
Autor da lei que instituiu a Ouvidoria da Policia, o deputado estadual Carlos Minc (PT) vai convocar o secretario Josias Quintal para depor na Assembleia Legislativa. Segundo ele, Josias tera de explicar a exoneracao do coronel Valmir Alves Brum da Ouvidoria. Foi uma intervencao na autonomia do orgao, que estava garantida por lei, disse Minc, que tambem vai questionar a crise que vem envolvendo a Seguranca.
Ja o deputado Sergio Cabral Filho (PMDB), presidente da Alerj, afirmou que, caso fique comprovado o envolvimento de um deputado estadual com o trafico, tomara medidas energicas. A Assembleia nao vai se omitir neste caso, disse. Segundo o regimento da Alerj, infracoes como esta podem levar ate a cassacao do mandato.Palavra de bandido contra a do coronel
O governador Anthony Garotinho disse ontem que as acusacoes feitas ao coronel Lenine de Freitas terao de ser bem apuradas. E a palavra dele (Hugo) contra a do coronel. Entre a palavra de um bandido e a de um subsecretario, eu fico com a do subsecretario, pelo menos ate que as investigacoes sejam concluidas. Mas nao podemos deixar de apurar.
Garotinho disse ainda que ordenou ao secretario de Seguranca, coronel Josias Quintal, a realizacao de uma apuracao rigorosa a respeito do caso.
O deputado federal Milton Temer (PT-RJ) disse ontem que vai acionar a bancada do partido na Alerj para que se instale uma CPI para apurar as denuncias.
(JORNAL: O DIA PAG.: 12)







Vigário Geral: tragédias por todos os lados

Por Gustavo de Almeida




Nesta sexta-feira, completaram-se 15 anos da triste chacina de Vigário Geral, quando 21 inocentes foram assassinados da forma mais insana possível, em uma vingança sangrenta que tomou conta do noticiário internacional. A Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio, lembrou a data, mas já é possível perceber que aos poucos a cidade vai deixando as trágicas lembranças da chacina para trás. Os atos vão sendo esvaziados. O noticiário na TV vai ficando mais ralo, e até mesmo os nomes de mortos e matadores vão sendo menos escritos. Até mesmo um dos matadores foi morto em maio, sem que se fizesse muito alarde disto.
Vigário Geral e o Rio de Janeiro se refletem em um espelho, quando somam impunidade e injustiça.
Uma das parentes de vítima teve a indenização negada no fim do ano passado pela Justiça, sem maiores explicações. É obrigação do Estado recorrer, como manda a lei. Mas surpreendeu que em última instância a vítima tenha perdido. É inexplicável. Trata-se de uma senhora que até hoje vive em Vigário, sem maiores perspectivas. Não sabe nem que a vida lhe foi injusta. Já não sabe o que é vida.
Poucos sabem, mas há um PM no caso de Vigário Geral que acabou se tornando vitima. Trata-se de Sérgio Cerqueira Borges, conhecido como Borjão.
Borjão foi um dos presos que em 1995 já eram vistos como inocentes, colocados no meio apenas por ser do 9º´BPM. A inocência de Borjão no caso era tão patente que ele inclusive foi o depositário de um equipamento de escuta pelo qual o Ministério Público pôde esclarecer diversos pontos em dúvida.
Borjão foi expulso da PM antes mesmo de ser julgado pela chacina. Era preso disciplinar por "não atualizar endereço".
Borjão conta até hoje que deu depoimento em seu Conselho de Disciplina sob efeito de tranqüilizantes, ainda no Batalhão de Choque. Seus auditores sabiam disto. "No BP-Choque, fomos torturados com granadas de efeito moral as vésperas do depoimento no 2º Tribunal do Júri, cujos fragmentos foram apresentados à juíza, que enviou a perícia. Isto consta nos autos, mas nada aconteceu", conta Borjão, hoje sem uma perna e com a saudade de um filho, assassinado em circunstâncias misteriosas, sem que ele nada pudesse fazer.
"No Natal fui transferido para a Polinter. Protestei aos gritos contra a injustiça. e Me mandaram para o hospital psiquiátrico em Bangu mas, por não ter sido aceito, retornei e em dias fui transferido para Água Santa. Lá também fui espancado e informei no dia seguinte em juízo, estando com diversos ferimentos, mas sequer fiz exame de corpo delito. Transferido para o Frei Caneca, pude ajudar a gravar as fitas com as confissões e em seguida fui transferido para o Comando de Policiamento do Interior. Após a perícia das fitas fui solto. Dei entrevistas me defendendo e tive minha liberdade provisória cassada e me mandaram para o 12ºBPM a fim de me silenciarem. No júri, fui absolvido. Meus pedidos de reintegração à PM nunca foram respondidos".
A história de Borjão ao longo de todos estes 15 anos só não supera mesmo a dor de quem perdeu alguém na chacina. Mas eu não estaria exagerando se dissesse que Sérgio Cerqueira Borges acabou se tornando uma vítima de Vigário Geral. "Tive um filho com 18 anos assassinado por vingança. Sofri vários atentados e um deles, a tiros, me fez perder parcialmente os movimentos da perna esquerda. Sofro de diabete, enfartei aos 38 anos e vivo com um tumor na tireóide. Hoje em dia tento reintegração à PM em ação rescisória, o processo é o número 2005.006.00322 no TJ, com pedido de tutela antecipada para cirurgia no Hospital da PM para extração do tumor. Portanto, vários atentados à dignidade humana foram cometidos. As pessoas responsáveis nunca responderão por diversas prisões de inocentes? Afinal foram 23 inocentes presos por quase quatro anos com similares seqüelas. A injustiça queima a alma e perece a carne!", desabafa Borjão.
Borjão hoje conta com ajuda da OAB para lutar por sua reintegração. Mas o desafio é gigantesco.

Triste ironia do destino: o policial hoje mora em Vigário, palco da tragédia que o jogou no limbo.
A filha dele, no entanto, me contou há alguns dias que não houve tempo suficiente para esperar pela Justiça e pela PM - Borjão teve que operar às pressas o tumor na tireóide no Hospital Municipal de Duque de Caxias. A cirurgia foi bem. Sérgio Cerqueira Borges vai sobreviver mais uma vez.
Sobreviver de forma quase tão dura como os parentes de 21 inocentes, estas pessoas que sobrevivem mais uma vez a cada dia, a cada hora. No Rio de Janeiro é assim: as tragédias têm vários lados e a tristeza de quem tem memória dificilmente se dissipa. Pelo menos nesta data, neste 29 de agosto que nos asfixia.

"O Gigante da Imprensa Nanica" / Raimundo Rodrigues Pereira / Produção: Maria Cristina de Oliveira Gonçalves

ENTREVISTA
 
Reprodução

"Se o povo não tiver compreensão política, não haverá uma democracia mais avançada".
Raimundo
Rodrigues
Pereira:
símbolo da
imprensa
alternativa


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Por Maria Cristina de Oliveira Gonçalves e Maria do Socorro Veloso*
Em 2008 o jornalismo brasileiro completará dois séculos de existência. A maior parte desses 200 anos foi marcada por ações repressoras ao livre pensamento e ao direito de informar a sociedade. Desde que o Correio Braziliense foi lançado em Londres por Hipólito José da Costa, a imprensa tem enfrentado grandes problemas com o poder, ora cedendo às pressões, ora vencendo os obstáculos.
Por meio de mecanismos de censura prévia, prisão, exílio, tortura, atentados ou pressões financeiras, mesmo antes de 1808 – quando a imprensa foi oficialmente instalada no Brasil Colônia, pela família real portuguesa – os jornalistas, escritores e tipógrafos já conheciam a repressão. A censura foi um legado da colonização do Brasil, estando sempre presente, seja econômica, política ou judicialmente. Costella afirma que a história da imprensa brasileira apresentou períodos de liberdade intercalados pelos de censura declarada (In: MELO, 2007: p.41).
Os 21 anos da ditadura militar (1964-1985) foram marcados pela proliferação e auge da imprensa alternativa:
Diz-se de órgãos de imprensa (especialmente jornais e revistas) editados por grupos independentes e que constituem, em relação às fontes tradicionais de informação, uma opção para o público leitor, em termos ideológicos, formais ou temáticos. [...] O que essencialmente caracteriza essa proposta de atividade jornalística é um efetivo descomprometimento em sua linha editorial, uma atitude polêmica e renovadora (Cf. RABAÇA & BARBOSA, 2001: p.379-380).
Nesta luta contra o poder despontou Raimundo Rodrigues Pereira, um dos jornalistas mais importantes e ativos desta fase, que trabalhou em dois dos mais importantes veículos alternativos do período – Opinião e Movimento – e procura, até hoje, lutar por esses ideais em seus projetos jornalísticos, que ele prefere chamar de “imprensa democrática-popular”.
Acho que o termo [alternativa] é ruim. Eu acho que o melhor termo é imprensa democrática-popular. Eu a defino como uma imprensa de várias correntes políticas progressistas que querem fazer uma crítica aprofundada ao sistema capitalista e tentar criar um sistema social novo, alternativo a esse. [1]
Retratar a trajetória de Raimundo – “pouca gente conhece ‘o gigante da imprensa nanica’”, segundo o jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto [2] –, sua visão e atuação na imprensa brasileira é importante para que essa parte da história seja preservada e sirva como exemplo àqueles que defendem a liberdade de imprensa e a democracia, principalmente aos jornalistas que, muitas vezes, preocupam-se apenas com os ganhos financeiros e esquecem da questão social e de sua verdadeira função, como lembra Mino Carta (Cf. KUSHNIR, 2004: p.214). Para ele, três regras básicas norteiam a imprensa: fiscalizar o poder, buscar a verdade dos fatos e fomentar o espírito crítico.
Aproveitando-se da intensa resistência, muitos jornalistas encontraram, nessa imprensa renovadora, independente e polêmica, espaço para criticar a política e atuar mais efetivamente contra o regime. 
Coube a esses jornais criarem espaços de contestação, defendendo interesses de grupos e movimentos sociais, que de outra forma não seriam ouvidos, uma vez que “a grande imprensa não tem condições financeiras nem quer opor resistência a governos fortes”, como disse o jornalista Hélio Fernandes (Cf. BAHIA, 1990: p.350). Desta forma, esse tipo de imprensa surge como um canal de comunicação das minorias oprimidas dentro da mídia tradicional.
Kucinski reforça que “em contraste com a complacência da grande imprensa para com a ditadura militar, os jornais alternativos cobravam com veemência a restauração da democracia e do respeito aos direitos humanos e faziam a crítica do modelo econômico” (2003: p.13).
No período ditatorial, porém, militares tentavam barrar qualquer tipo de oposição. “A ótica burguesa distingue a ‘boa’ e a ‘má’ imprensa. A primeira, bem comportada, goza de privilégios; a outra é sempre depreciada e punida porque ameaça os ‘bons costumes’ e a ‘ordem’” (Cf. CAPELATO, 1994: p.28).
Segundo Chaparro (1998: p.62), a lei da censura prévia veio “[...] principalmente para oferecer aval jurídico à operação de destruição da ‘imprensa alternativa’”. Os principais jornais alternativos foram submetidos a uma censura prévia ferrenha e sem regras. Muitos periódicos, principalmente os de cunho político, foram proibidos. 
Kushnir acrescenta que a censura “[...] explica-se como forma de impor um determinado contorno de cidadão ideal. [...] A postura de vigiar e reprimir, nesse parâmetro, teve (e tem) a intenção de manter uma (imaginária) harmonia social” (2004: p.35).
Mesmo assim, essa pequena imprensa de oposição é o
[...] berço de um jornalismo político que se destaca nas lutas do povo brasileiro por instituições livres e democráticas. [...] A tradição e os valores dessa imprensa de opinião iluminam, mais de cento e cinquenta anos depois, episódios contemporâneos da nossa história [...] um período que assinala a queda de regimes e de ditadores como Vargas (1930-1945) e os militares (1964-1985) (Cf. BAHIA, 1990: p.61).
Nas décadas de 60 e 70, quando os grandes periódicos cederam ao golpe – que no seu início contou com a adesão dos principais veículos de comunicação –, a imprensa alternativa enfrentou a repressão política e militar. De 1964 a 1980, surgiram e morreram cerca de 150 jornais que tinham como característica a oposição radical ao período e que foram os principais porta-vozes dos segmentos sociais (Cf. KUCINSKI, 2003: p.13).
Trajetória de Raimundo Rodrigues Pereira
Em 8 de setembro de 1940 [3] nascia, em Exu, Pernambuco, aquele que é considerado o maior nome da imprensa alternativa brasileira: Raimundo Rodrigues Pereira. Seu destaque no jornalismo e na militância política teve início em 1960, quando iniciou o curso de Engenharia no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos/SP. 
Foi nesse período que Raimundo também descobriu a esquerda e passou a defendê-la. Por conta de atividades extra-escolares, como participação no grupo de teatro e direção do jornal O Suplemento, Raimundo foi expulso do ITA, com o golpe militar.
Todos os suspeitos de subversão, tentativa de sabotagem e doutrinação comunista que faziam parte do ITA foram para Santos (SP), onde foi instaurado um Inquérito Policial Militar (IPM). Durante o período em que ficou preso no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), Raimundo foi torturado. Após oito dias, Raimundo e seu grupo foram interrogados e encaminhados para a prisão militar, na base da Aeronáutica. 
A participação no movimento estudantil prosseguiu após Raimundo sair do ITA e da prisão. Em 1965, ele iniciou o curso de Física na Universidade de São Paulo (USP), onde permaneceu até 1967, atuando junto ao Centro Acadêmico de Filosofia. Durante sua passagem pela USP, Raimundo também lançou e editou, em 1967, o tablóide mensal e alternativo Amanhã. O jornal era predominantemente político. Apesar de efêmero – foram publicados apenas sete números –, teve grande importância histórica, pois foi a partir deste jornal que surgiram vários dos mais importantes alternativos. 
No começo de 1965, a carreira jornalística de Raimundo teve início efetivamente, quando conseguiu emprego na revista Médico Moderno.
Depois, foi trabalhar na Editora Abril, na revista técnica Máquinas e Metais. Nesse mesmo período Raimundo trabalhou, à noite, no jornal diário O Dia, também em São Paulo. Em 1967, junto com o Amanhã, atuou na Folha da Tarde.
Era editor de texto e preparava as matérias da primeira página. Em 1968, Raimundo fez parte da equipe de criação da revista Veja, onde atuou até meados de 1970. Depois da saída, Raimundo retornaria à revista em 1993, agora como freelancer. Eleproduzia grandes matérias. 
Assim que deixou Veja pela primeira vez, o jornalista fez uma edição especial para a revista Transporte Moderno a respeito das estradas da Amazônia, trabalho que durou cerca de dois meses. Com base na investigação para essa matéria, foi proposta, por Raimundo, uma edição especial a respeito da Amazônia para a revista Realidade, para a qual ele já havia feito alguns trabalhos como freelancer no início de 1968. Esta edição foi contemplada com o Prêmio Esso.
Entretanto o jornalista destacou-se na profissão, sendo hoje reconhecido como um grande nome da imprensa nacional, principalmente devido à sua intensa atuação nos semanários Opinião (1972-1977) e Movimento (1975-1981), dois dos principais periódicos populares políticos, que nasceram para combater a ditadura militar.
Nos sete primeiros números Opinião não sofreu maiores incômodos da censura. Entretanto, ao noticiar a morte do estudante Alexandre Vanucchi Leme, 23 anos, torturado no Doi-Codi, e a missa de sétimo dia, na Catedral da Sé, em São Paulo, os censores tomaram providências. “[...] os homens da tesoura começaram a agir de maneira excessivamente rigorosa. É a prova de que num Estado policial, ou melhor, num Estado fascista, jamais é permitido expor certas verdades” (Cf. JORGE, 1987: p.95). 
Raimundo conta que driblar a censura era uma busca constante da redação. Os jornalistas sabiam o que seria vetado, como, por exemplo, referências à própria censura, às torturas, aos assassinatos. Mas no começo ainda era possível escrever nas entrelinhas. “Até o número 23 – que foi o momento de inflexão da censura – dava para você tocar no assunto muito indiretamente, sem citar nome. Era uma coisa completamente cifrada. A partir dessa edição nem assim conseguíamos”. [4] 
A batalha contra a censura durou quase cinco anos. “A luta homérica do jornal Opinião, travada contra a estupidez de uma censura ferozmente estrábica, durou de 1973 a 1977, até a edição do número 231” (Cf. JORGE, 1987: p.100).
O semanário já não conseguia conviver com a censura feita por Brasília, resultando na apreensão de diversos números, perseguições, além de processos, bombas e prisões.
Mas o processo de fechamento do alternativo foi agilizado devido às divergências de opiniões entre o proprietário d’Opinião, Fernando Gasparian, e seu editor, Raimundo Pereira. 
Com isso ele foi demitido e a equipe com a qual trabalhava também se demitiu, em solidariedade ao editor e aos ideais por ele defendidos. 
Ribeiro reforça o ideal de Raimundo Pereira. “Inviabilizado o Opinião, Raimundo partiu para o que considera o primeiro jornal sem patrão no Brasil, o semanário Movimento” (1998: p.145), uma vez que as decisões do jornal eram tomadas por meio dos conselhos. 
Após desentendimentos editoriais e políticos em Opinião, Raimundo lança em julho de 1975, em São Paulo, o também alternativo Movimento. Para Raimundo, criar um novo jornal era a única solução: “Se quer defender opiniões diferentes, você tem de fazer o seu jornal”. [5]
Segundo seu fundador e editor, Movimento foi mais visado pelo regime militar do que os demais periódicos, uma vez que a primeira edição já saiu censurada, apesar dos cortes a O Estado de S.Paulo terem sido suspensos no mesmo ano do surgimento do alternativo. “O Movimento só teve liberdade quando caiu a censura para o país inteiro, em 1978”. [6]
O programa político de Movimento consistia em apresentar, analisar e comentar os principais acontecimentos políticos, econômicos e culturais da semana. Para isso, lançou mão das charges, com a publicação da seção “Corta Essa”.
Após a queda da censura prévia, Movimento permanecia na mira dos atentados terroristas contra as bancas que vendessem o periódico. Os grupos terroristas tinham como objetivo gerar grandes danos financeiros aos editores, distribuidores e às bancas de jornais e revistas. 
No final de 1977 foi criado o jornal Em Tempo, também em São Paulo, com o objetivo de abrigar jornalistas e colaboradores que já não concordavam com a linha seguida porMovimento. O articulador desse novo projeto foi o jornalista Bernardo Kucinski. “O grande ‘racha’ de Movimento, de abril de 1977, [...] foi também um marco da reorganização das esquerdas brasileiras” (Cf. KUCINSKI, 2003: p.17). O autor acrescenta que o conselho editorial de Movimento foi perdendo importância dentro do alternativo, enquanto crescia o poder dos ativistas políticos. 
Além dos desentendimentos internos, as principais razões para o fim de Movimento, em 23 de novembro de 1981, foram os atentados às bancas que vendiam o alternativo, assim como outros periódicos que ainda incomodavam os militares. Com os ataques, o jornal perdeu assinantes e as vendas avulsas caíram pela metade. 
Assim que Movimento foi fechado, Raimundo retornou para a Editora Abril, onde trabalhou por cerca de um ano na revista Ciência Ilustrada. Ao sair da publicação, em 1983, fez, com a ajuda da Editora Três, o jornal alternativo Política. Mas a experiência durou apenas um número, devido a problemas financeiros. Para arrecadar recursos teve início o terceiro grande projeto alternativo do jornalista: Retrato do Brasil, coleção que estuda o período da ditadura militar.
O dinheiro arrecadado com a venda dos fascículos e de cotas possibilitou a criação do jornal diário Retrato do Brasil, em São Paulo. Entretanto, o periódico durou apenas dois meses. Antes da criação do diário, Raimundo e outros profissionais procuraram Mino Carta e produziram algumas matérias especiais, em parceria com a Editora Três e Domingo Alzugaray, para a revista Senhor, que depois passou a chamar-se Isto É/Senhor, mas por um curto período.
Em 1997 Raimundo fundou a Editora Manifesto. A sede e os departamentos administrativo e financeiro funcionam em Belo Horizonte, e a redação, em São Paulo. Há correspondentes em Brasília e Porto Alegre. Além de levar o título Retrato do Brasil para a nova empresa, a equipe criou o site Oficina de Informações, voltado para a cobertura de fatos do dia-a-dia. Logo em seguida foi criada a revista mensal Reportagem. Publicada até meados de 2005, era voltada para a reflexão e análise. O grupo também transformou Retrato do Brasil em revista, porém sem periodicidade definida e com baixa tiragem.
Vinte anos depois a Manifesto relançou a coleção Retrato do Brasil, que também faz um apanhado dos principais acontecimentos entre o fim da ditadura e o encerramento do primeiro mandato do presidente Lula. Com 43 fascículos e mais de 800 páginas, traz reportagens e análises históricas de temas como política, educação e música, do regime militar à República. A proposta é criar um jornal democrático-popular com a verba arrecadada deste projeto. Raimundo acredita que o país necessita de um veículo com posição independente, sustentado por um público mais interessado e crítico.
Com o fim do jornal Retrato do Brasil, em 1987, Raimundo voltou para a grande imprensa, onde trabalhou como editor e repórter especial da revista semanal Isto É. Raimundo buscou parceria com a Caros Amigos, mas a sociedade não deu certo, então criou a revista Reportagem
Atualmente pela Carta Capital, em parceria com a Editora Manifesto, Raimundo coordena outro importante projeto: a série Retrato do Brasil e Carta Capital.
São publicados, na revista de Mino Carta, suplementos que fazem uma reflexão profunda a respeito de problemas e desafios enfrentados pelo país. Ao todo serão 12 grandes reportagens, abordando temas diversos, todas produzidas pela redação da Manifesto
Raimundo acredita que a imprensa é um dos meios de se educar a população, pois se esta não tiver um elevado nível de compreensão política, não atingirá uma democracia mais elevada. A solução, de acordo com Raimundo, é construir uma nova imprensa popular. “Na minha convicção é necessária a imprensa popular. Devemos persistir nesse rumo, trabalhar nessa direção e esperar para sobreviver e achar dias melhores para florescer”. [7]
Raimundo Pereira responde
Com 67 anos de idade, 42 deles dedicados ao jornalismo, Raimundo Rodrigues Pereira pretende completar bodas de ouro na profissão, resgatando esse tipo de imprensa no século XXI. Trata-se de um projeto ousado e que pressupõe a necessidade de grandes mudanças, principalmente políticas.
Nesta entrevista [8], Raimundo fala de sua atuação nas imprensas alternativa e empresarial. Também rememora fatos relacionados ao período da ditadura militar e discute o jornalismo nos dias de hoje, levando em consideração conceitos como censura, liberdade de expressão, ética, qualidade do jornalismo e democracia.
Seus ideais socialistas continuam os mesmos ou mudaram desde os tempos do ITA?
RRP: Aprendi a ter mais clareza das coisas. Digamos que eu tinha uma aspiração socialista, mas hoje vejo com muito mais clareza o que significa isso, apesar de estarmos vivendo um período em que parece que o ideal socialista acabou. Eu, por sorte, mesmo em função da minha profissão, pelo fato de ter estudado um pouco e ter aprendido com as coisas que pesquisei e escrevi, tenho mais convicção de que é preciso perseguir esse objetivo.
Talvez com certa clareza, paciência e visão de que o processo da construção socialista é mais complicado do que imaginava quando jovem. 
Hoje tenho uma visão mais tranqüila sobre isso. Assim como o capitalismo levou algumas centenas de anos para se consolidar na Inglaterra, a partir do final do século XVIII, o socialismo, se for vitorioso, terá vivido um processo desse tipo, porém mais complicado.
Como o senhor avalia o período da ditadura militar?
RRP: A ditadura militar foi um dos maiores golpes que o Brasil sofreu. Eles [os militares] fizeram mudanças profundas, de um modo geral, para pior. Eu diria que os militares me fizeram um favor: me tiraram de uma profissão que não era muito bem uma inspiração que eu tinha. Isso foi uma coisa positiva.
Mas, como balanço positivo, vejo pouca coisa além disso. Foi um movimento de extremo rigor e negativo; atrasou inúmeras coisas no país. O Brasil vive, ainda hoje, problemas decorrentes desse período. Em função dos movimentos sociais e das lutas políticas não terem se desenvolvido como a gente imaginava, voltou entre a militância progressista a idéia de que o período não foi tão ruim assim. Mas a ditadura militar foi muito ruim e, como resquício, temos os militares, que ainda se julgam uma casta acima do processo democrático.
Levando-se em conta o jornalismo, que balanço o senhor faz?
RRP: A imprensa brasileira tem uma trajetória complicada. Seguiu o rumo da monopolização, mas com algumas particularidades. Nós tivemos no governo Vargas oÚltima Hora, num período de resistência e de florescimento do movimento cultural. Já por volta dos anos 1950, 60 o regime militar ajudou a consolidar o sistema de monopólio extremamente conservador, com a Globo à frente, o Estadão, a própria Folha – embora esta hoje se apresente como campeã da luta democrática. Não foi nada disso. 
Opinião foi um semanário expressivo, mas também violentamente reprimido e teve sua trajetória boicotada. Movimento teve uma trajetória em um quadro de recuo do regime, mas também não foi muito longe. O regime militar foi bastante danoso para a imprensa brasileira. E recuou de uma maneira hábil, apagando os seus vestígios. Muita gente [simpatizante do regime] se transformou em democrata.
Como a grande e a pequena imprensa noticiaram esse período de repressão?
RRP: O Movimento, por exemplo, foi um jornal de campanhas por muitos temas importantes que não eram censurados, como a organização dos grandes monopólios. Mesmo a questão da concentração da terra, da marginalização dos camponeses, tudo isso o Movimento pôde fazer. Mas não pôde fazer a denúncia dos crimes políticos da ditadura, porque era censurado. A imprensa do grande capital sofreu divisões. OEstadão teve um comportamento diferente.
A partir de um momento, depois de apoiar o golpe, mudou. Como é um jornal muito conservador, as questões econômicas e sociais não mereciam muita preocupação. Mas o noticiário político foi um pouco mais aberto; o jornal noticiou um pouco melhor o regime militar.
Veja ajudou no processo de saída meio camuflada do regime militar. Para isso negociou, com a ditadura, a saída do Mino Carta da revista. Em 1981, a ditadura acabou com o grande jornal de resistência, Movimento, e entre os partidos de esquerda não se conseguiu construir uma imprensa alternativa com mais expressão. Esse também é um problema que persiste, porque hoje a imprensa popular está muito dispersa.
É possível a existência dessa imprensa alternativa nos dias de hoje?
RRP: Acho que isso está associado a um processo político. Nós vivemos um processo político frustrante. Eu sempre disse, até para os meus amigos do governo: Não tem como enfrentar a situação política do país sem construir uma alternativa de imprensa, porque a disputa pela opinião pública é extremamente importante e você tem de entender o que é essa disputa e se empenhar decididamente para fazer isso. 
É preciso recriar um movimento político que talvez dure mais dez, vinte anos para construir – em condições normais – uma alternativa importante, que tem de ser, em primeiro lugar, política. Isso porque não se muda um país pela imprensa, mas sim pela política, e a imprensa vai junto, ajudando a fazer a mudança. Só existirá uma imprensa mais democrática em um país mais democrático. Se o país continuar tão pouco democrático como é, a imprensa refletirá essa situação. E se o povo não tiver um elevado nível de compreensão política, não haverá uma democracia mais avançada.
Minha obrigação é estimular um projeto desse tipo. Acho que é uma coisa necessária, porque você pega a Folha, o Estadão, o Globo e vê que eles têm uma visão única: o Estado não presta.
Como estão as relações entre imprensa e poder no Brasil de hoje?
RRP: Algumas pessoas apontam uma contradição que a meu ver não está bem apresentada: o [presidente] Lula está lá e a imprensa está contra ele.
Não penso assim. Acho que o governo Lula é um governo democrático, que fez algumas aberturas para o movimento popular. No caso da imprensa popular, inclusive, não nos perseguiu e até “pingam” alguns pequenos anúncios de vez em quando. Mas o compromisso do governo foi, principalmente, com a grande imprensa. A verba da publicidade está principalmente no jornal O Globo e nos grandes órgãos de comunicação. O governo não alterou os mecanismos econômicos básicos. O próprio Lula diz que “os grandes nunca tiveram tanto lucro como agora”. Isso o governo Lula não mudou. Também não mudou a quantidade de verba de publicidade que se distribui. Essa imprensa é um monolito e Lula está um pouco à parte desse processo.
A onda contra ele esmaeceu porque não tem nenhuma eleição em curso. Isso de dizer que a imprensa está contra o presidente porque é contra o modelo que ele está implantando no país, é bobagem. Lula não está implantando nenhum modelo diferente para o desenvolvimento da sociedade brasileira. É um país de monopólios, de uma oposição subordinada a um sistema econômico internacional. 
O Brasil está mais democrático porque Lula, devido às suas ligações com o movimento popular, tem essa característica, que é boa e ninguém pode negar. O regime de liberdades amplas que estamos vivendo é uma coisa boa e os movimentos de massa não sofrem alguns cerceamentos. O Fernando Henrique [Cardoso], por exemplo, perseguia o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra]. Lula não persegue o MST; pelo contrário, aumentou as cestas básicas. Lula não persegue a imprensa alternativa; pelo contrário, deu uns trocadinhos para nós. Mas outra coisa é o sistema político que vigora no país e o tipo de imprensa que o apóia e com a qual ele está vinculado. No essencial, Lula não mexeu.
O senhor acha que a população é alienada em relação às questões políticas do Brasil?
RRP: A população brasileira é esmagadoramente pobre ou miserável. Se você for contar os miseráveis, o Brasil tem umas 30, 40 milhões de pessoas que mal conseguem se alimentar direito. Depois tem um bando de pobres, gente que ganha abaixo de R$ 700 por mês e vive contando o dinheirinho para o ônibus. Pessoas que nunca ouviram falar em tomar um táxi, nunca viajaram de avião. Então assinar um jornal, comprar uma revista, um livro, não dá; só compram o livro da escola do filho, porque é sagrado. 
De modo geral, se você nasce em uma casa com certo nível de renda, onde tem livros nas prateleiras e os pais lêem, os filhos vão ler também. Mas a grande massa não vai. O nível de informação, de cultura das massas, é muito precário, em função não só da renda, mas das condições de vida. O sujeito não tem tempo de ler. Você encontra no transporte coletivo sujeitos que perdem três, quatro horas por dia andando para sobreviver. Então, no fim de semana eles querem tomar umas e outras, pôr o chinelão, como diz o Lula, e ficar em casa.
O conhecimento, a formação e a militância política estão mais localizados na elite, pois são camadas mais esclarecidas, com mais condições. É ela que se enfronha e vai fazer esse trabalho de tentar juntar o movimento de massa, porque as pessoas, mesmo não tendo cultura, têm necessidades e são obrigadas a lutar por seus direitos. A elite faz essa ponte entre o movimento consciente e o movimento de massa inconsciente, porém importante na definição.
A imprensa precisa estar sintonizada com as necessidades e aspirações do povo sofrido, porque onde há opressão, como existe no Brasil, sempre tem de haver resistência e luta. Pode passar uns tempos sem, mas tem de haver [luta], porque esse movimento pode ser determinante na mudança.
E qual é o futuro do jornalismo brasileiro, em sua opinião?
RRP: A imprensa não se ergue do chão puxando os próprios cabelos. Você precisa estar atento a movimentos maiores. Hoje, vivemos certa pasmaceira. Existe a imprensa do tipo da Carta Capital Caros Amigos, tem os esforços que estamos fazendo agora comRetrato do Brasil, tem o jornal do MST, Brasil de Fato, e outras iniciativas na internet, mas são coisas pequenas. Nada que tenha conseguido empolgar nacionalmente e unificar.
Como vai ser daqui para frente? A minha convicção é que você está no campo, trabalhando, e tem de estar atento a como a massa se comporta.
O que levou muita gente a se juntar naquele período [da ditadura] foi um movimento muito forte de intelectuais, jornalistas, como eu e outros. Hoje não tem essa pressão para juntar as pessoas. Naquela época a juventude foi para barricadas, fábricas, guerrilha, pegou em armas. Essa pressão não existe mais.
Para o senhor, em que quadro está a preocupação dos jornalistas com as questões éticas, hoje?
RRP: Tem uma quantidade muito grande de gente que fala em ética para fugir dos problemas. O jornalismo tem dois pontos, como todo conhecimento, pois o trabalho jornalístico é uma tentativa de contribuir para a criação de um tipo de conhecimento. Então tem o aspecto objetivo e o subjetivo. Ninguém pode deixar de partir dos fatos para fazer jornalismo, porque a base dele é o dia-a-dia, principalmente depois que a burguesia o transformou em um grande negócio.
O outro aspecto, o subjetivo, significa que os fatos são vistos a partir de uma posição, onde as questões éticas se colocam. Você pode falar da ética de um sujeito sozinho? Claro que têm aspectos que são de responsabilidade individual. Mas eu entendo que o jornalismo é feito a partir da posição de algum coletivo, onde você tem alguns compromissos.
Para mim a política, que é a ciência número um, representa interesses e isso não é algo ruim. Toda política, assim como o jornalismo, representa interesses. Agora depende dos interesses que você representa e a que grupos está associado. O ideal é que a luta fosse em termos de debates de idéias, que a ética se envolvesse dessa forma, mas não é assim. A luta é um debate de idéias, brigas, confrontos, guerras; é assim que as coisas acontecem. Não existe uma ética em abstrato. 
Sou um dos que acham que é preciso se organizar em partidos, em grupos e pôr os interesses desse grupo acima dos interesses dos grupos aos quais você se opõe. Eu procuro me comportar assim. Digamos que temos um grupo com patrimônio coletivo. Você não pode tomar do patrimônio coletivo uma folha, um lápis. Isso não seria ético. Eu não fui para a luta armada, mas acho perfeitamente legítimo que a pessoa que foi tenha tomado armas, assaltado bancos e eventualmente matado alguém. Eu acho isso ético do ponto de vista da luta por interesses amplos. 
Não se pode discutir as coisas pela metade, discutir a questão ética sem a questão da luta, da necessidade de se organizar em coletivos, de defender interesses amplos, de perceber que a sociedade está organizada de um modo extremamente desigual e que esses debates se apresentam de uma maneira muito disfarçada.
A ética, hoje, é uma palavra gasta nas mãos de fariseus. Você tem de ter compromisso com as camadas oprimidas da sociedade e, mesmo em relação aos adversários, ter postura, clareza, ser sincero, falar as coisas direito.
Houve efetiva liberdade de expressão em algum momento da história da imprensa brasileira?
RRP: Posso dizer que estamos vivendo um momento de grande liberdade política. O regime burguês que se fundou em nome da liberdade e da igualdade, realizou e realiza em alguns cantos o ideal da liberdade, não o da igualdade. No Brasil os maiores defensores da liberdade sem nenhum qualificativo são os representantes de uma postura internacional, que têm dinheiro lá fora. O centro de interesse são as publicações que alimentam esse tipo de imprensa do grande capital, que está vendendo uma imagem do país incapaz de resistir a uma investigação mínima. 
Esse tipo de liberdade de imprensa que se defende – vejo juízes achando que o que esse menino da Veja faz, o Diogo Mainardi, é bom jornalismo, que aquilo é liberdade de imprensa, no seu sentido amplo – é uma besteira.
Aquilo ali não é nem jornalismo, é um conjunto de juízos pessoais que freqüentemente ofendem a honra das pessoas sem nenhuma punição. Eu não acho que ter isso é ter liberdade de imprensa.
Então, para o senhor, o que é liberdade de imprensa?
RRP: É preciso associar liberdade de imprensa ao conceito de democracia. As pessoas pensam que democracia é ter eleição de quatro em quatro anos.
Se você vai conversar com o povo – e eu tenho uma experiência grande nisso; já fiz, talvez, centenas de palestras para operários e organizações de estudantes –, tem de ver no povo as suas condições de vida, as idéias que tem em função das condições que possui. Como é que você pode pretender que o povo tenha grande conhecimento sobre as coisas, se nunca pôde estudar e ler? 
O processo democrático com o qual eu sonho é o de uma democracia mais avançada, que ao melhorar as condições de vida dos trabalhadores, permita que as pessoas realmente passem a se situar e a se relacionar em um nível mais elevado, para haver uma democratização efetiva maior.
Como o senhor avalia o fato de ser considerado o grande nome da imprensa alternativa brasileira?
RRP: Eu tive muita sorte em inúmeros aspectos da minha vida. A primeira grande sorte foi ter sido expulso do ITA com o golpe militar. Talvez a única coisa boa que eles [os militares] fizeram no país foi me expulsar da escola.
Fui anistiado, mas nunca pedi nenhuma indenização. Não mereço nenhum tostão. Eu é que deveria pagar pelo favor que me fizeram. Também tive sorte porque trabalhei com gente muito boa, gente de qualidade e que me apoiou (se fosse citar um por um, poderia cometer certas injustiças).
Do ponto de vista pessoal, também tive uma sorte imensa ao formar uma família do jeito que é a minha, uma família ótima, que me apoiou muito.
Minha mulher é uma pessoa lutadora. Aprendi demais com ela. Também tive sorte por minhas filhas não terem nenhum problema grave. Elas cresceram em um mundo onde havia muita gente boa em torno de mim.
Além disso, me julgo com sorte porque sempre fui muito animado, e por essa razão me coloquei em posições de direção. Sou representante de um movimento e me julgo uma pessoa privilegiada porque esse movimento me apoiou em vários campos – pessoal, político, jornalístico.
O destaque que tenho não é só meu, é o destaque de um movimento e eu me apresento nos lugares desse modo. Me considero representante desse tipo de imprensa. Mas também não aceito que me excluam do campo dos jornalistas de um modo geral, porque tenho um passado e, se precisar, volto a trabalhar para as grandes empresas. Também me considero um jornalista da grande imprensa, onde fiz carreira e ajudei muito. Dei a minha mais-valia para eles.
Deixe um recado para os futuros jornalistas.
RRP: O jornalismo tem as limitações de todas as profissões, mas é uma profissão que tem a vantagem de buscar sempre o novo. A imprensa popular deve ser valorizada e desenvolvida. Por ser muito pequena, não pode empregar muita gente, mas os jornalistas podem ser empregados em várias outras áreas. Acho que há condições, mas é preciso trabalhar para criá-las, porque não são dadas. O sistema não é totalmente favorável.
O jornalista tem de batalhar e ter muita coragem para fazer um trabalho bom e sensato, sem precisar sair correndo na frente do trem. Mesmo sob o regime patronal, onde tem um patrão que escolhe a linha editorial da publicação, que define o editor, é você, como jornalista, o sujeito que vai para a rua fazer a matéria, articular os fatos. Então você tem uma margem de atuação onde deve se situar, buscando um trabalho que o dignifique, do qual tenha orgulho, que possa reler com satisfação e se aprimorar como redator, repórter, fotógrafo ou editor de qualquer dos ramos.
Para mim foi um pouco assim, e meio que por acaso. Mas criei espaços, trabalhei na imprensa popular, no patronato, e acho isso possível. A despeito da política e da extrema dificuldade, tem campo para a luta.
NOTAS
[1] Entrevista com Raimundo Rodrigues Pereira, concedida a Maria Cristina O. Gonçalves, em 16/17 jul. 2007, para produção da monografia O jornalismo radical de Raimundo Rodrigues Pereira (Unifae, 2007).
[2] Entrevista com Lúcio Flávio Pinto, concedida a Maria Cristina O. Gonçalves, por e-mail, em 25 mar. 2007. 
[3] Raimundo nasceu no dia 08, porém foi registrado em 19 de setembro de 1940.
[4] Entrevista com Raimundo Rodrigues Pereira, concedida a Maria Cristina O. Gonçalves, em 16/17 jul. 2007.
[5] Idem.
[6] Idem.
[7] Entrevista com Raimundo Rodrigues Pereira, concedida a Maria Cristina O. Gonçalves, em 19 set. 2007.
[8] Edição das entrevistas com Raimundo Rodrigues Pereira, concedidas a Maria Cristina O. Gonçalves em 10 de janeiro, 16 e 17 de julho e 19 de setembro de 2007 para produção da monografia O jornalismo radical de Raimundo Rodrigues Pereira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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COSTELLA, A. F. “A censura nos impérios lusitano e brasileiro”. In: MELO, J. M. (Org.).Síndrome da mordaça: mídia e censura no Brasil (1706-2006). São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2007.
KUCINSKI, B. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 2003. 32ª Ed. rev. e ampl.
KUSHNIR, B. Cães de Guarda – jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988.São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.
RABAÇA, C. A.; BARBOSA, G. G. Dicionário de comunicação. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
RIBEIRO, J. H. Jornalistas – 1937 a 1997: história da imprensa de São Paulo vista pelos que batalham laudas (terminais), câmeras e microfones. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1998.
*Maria Cristina de Oliveira Gonçalves é graduanda em jornalismo pelo Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino (Unifae), de São João da Boa Vista/SP. Maria do Socorro Veloso é jornalista, doutoranda em Comunicação pela ECA/USP e professora do Unifae.


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]

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Ideias a respeito dos processos jornalísticos brasileiros

Prof. Dr. José Coelho Sobrinho


Revista PJ:Br – Jornalismo Brasileiro nasceu com a consciência e o objetivo de ser mais um nó que se interconecta à rede mundial do conhecimento. Neste tipo de mídia parece não haver lugar para a modéstia porque, como afirma Manuel Castells, se houver compartilhamento de códigos existirá uma globalização do capital, e o capital que está sendo investido nesta revista deverá render dividendos para o debate sobre as ideias a respeito dos processos jornalísticos produzidos por pensadores e pesquisadores brasileiros.
O tempo e o espaço da revista sempre será o tempo e o espaço do autor e do leitor. Ela pretende resgatar no tempo os modelos e os paradigmas criados por pensadores brasileiros desde os períodos mais remotos de nossa história intelectual. Ao mesmo tempo, será um espaço para a divulgação de estudos contemporâneos sobre o jornalismo, revelando o talento e a maturidade dos pesquisadores brasileiros.
A Revista PJ:Br – Jornalismo Brasileiro é também mais uma contribuição do Núcleo de Estudos de Jornalismo Comparado (NJC) do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP para os alunos de jornalismo de todo o país. Ela enriquece o acervo de livros-texto editados sob a responsabilidade do grupo de professores e pós-graduandos do NJC.
Esta revista assinala também o retorno de seu Diretor Responsável ao programa de pós-graduação da área de Jornalismo do curso de Ciências da Comunicação da ECA. É a marca registrada do Prof. Dr. José Marques de Melo, que, impulsionado pelo seu espírito empreendedor e incansável, nos lega mais uma contribuição notável para o entendimento das influências do jornalismo brasileiro à construção de nossa sociedade.
São Paulo, 13 de maio de 2003


Departamento de
Jornalismo e Editoração
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Prof. Dr. José Coelho Sobrinho