Jamil Chade – O Estado SP
Críticas brasileiras à China teriam objetivos políticos na África, diz telegramas americanos
Pela primeira vez, um acordo internacional irá estabelecer critérios para a compra de terras por estrangeiros. Hoje, a FAO aprovou um tratado que estabelece em que condições estrangeiros podem adquirir terras em outros países. O tratado é voluntário, mas está sendo considerado pela entidade com sede em Roma como um primeiro esforço de estabelecer uma regulamentação em investimentos estrangeiros em terras agrícolas, principalmente na África.
O Brasil apoia a iniciativa e tem já suas leis. Mas, segundo telegramas da diplomacia americana, revelados pelo grupo Wikileaks, o Itamaraty estaria mostrando liderança na crítica à China – um dos principais investidores em terras – justamente para ganhar simpatia dos países africanos, em sua ofensiva de investimentos e de influência política no continente.
Nos últimos cinco anos, um território do tamanho da França foi adquirido na África por países como a China, Catar ou Arábia Saudita, importadores de alimentos e que querem te garantias de que serão abastecidos. Com amplos recursos, esses países tem promovido um verdadeiro safari pela África, adquirindo por até 99 anos alguns dos pedaços de terras mais férteis do Sudão, Etiópia, Gana e diversos países. A FAO chegou a alertar que o fenômeno seria equivalente a um “neo-colonialismo”e, com o apoio de governos que tem sido alvo de assédio, conseguiu iniciar uma negociação.
Hoje, a entidade que tem como diretor o brasileiro José Graziano finalmente deu o primeiro passo na regulamentação. Um código de conduta foi adotado, estipulando as exigências que investidores terão de cumprir se quiserem ter acesso à terra. Uso não abusivo dos recursos, respeito pelas necessidades alimentares locais, consultas públicas com comunidades locais e outros itens estariam entre as exigências, além do respeito pelos direitos humanos.
A FAO admite que não tem como frear o desembarque chinês na África, onde já estariam vivendo mais de 300 mil chineses. Mas a meta é a de pelo menos colocar certos limites para a exploração. Investidores, portanto, terão certos direitos respeitados. Mas também deveres.
Com um caráter voluntário, o acordo somente valerá para países que passem a adotar os critérios em suas leis locais. O Brasil pede algumas ressalvas no texto, com o objetivo de garantir proteção às terras indígenas.
Mas em um telegrama de fevereiro de 2010, a diplomacia americana deixa claro que a crítica aberta do Brasil aos chineses pode ter um objetivo político de se mostrar próximo aos interesses dos governos africanos, principalmente diante da ofensiva de mineradoras, construtoras e da Petrobras no continente.
“Privadamente, um conselheiro sobre investimentos do Ministério (das Relações Exteriores do Brasil) chamou a aquisição de terras e recursos na África pelos chineses como “neo-colonialismo”,diz o telegrama. “Não quero isso em meu país”, teria dito o diplomata brasileiro ao interlocutor americano.
“Alguns países emergentes estão reagindo duramente à compra de terras por investidores estrangeiros”, indicava o telegrama secreto americano. “O Brasil pode ver isso como uma oportunidade para ter sua liderança fortalecida ao lidar com as preocupações das nações africanas”, concluiu o documento do Departamento de Estado.
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