Segundo Rudolf von Ihering, jurista ímpar na história do direito alemão, falecido em 1892, “o fim do Direito é a paz; o meio de atingi-lo, a luta. O Direito não é uma simples ideia, é força viva. Por isso a justiça sustenta, em uma das mãos, a balança, com que pesa o Direito, enquanto na outra segura a espada, por meio da qual se defende. A espada sem a balança é a força bruta; a balança sem a espada é a impotência do Direito. Uma completa a outra. O verdadeiro Estado de Direito só pode existir quando a justiça brandir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança.”
Desta vez, ocupo o salão do Castelo das Literárias Mosqueteiras para conduzir a literatura brasileira, não às ficções criadas por Escritores brasileiros ou portugueses, mas uma entrevista com a realidade pregressa; a Chacina de Vigário Geral.
Tomei a liberdade de ensaiar um pequeno ajuste no texto de finalização do documentário criado pela “design&imagem”, intitulado “Lembrar para não Esquecer”.
As tragédias têm vários lados; a tristeza um lado só.
Lembrar para não esquecerinicia esta entrevista com a convicção que o futuro será sempre impiedosamente escrito no presente. Simples assim! Destino? Não!
Aqui no Castelo, as luzes se acendem, sob o pano, e as pesquisas que fiz, remontam que a imensa maioria dos envolvidos na chacina de Vigário Geral continua anônima, silenciosa e impune.
O Choque acabou com o silêncio dos oprimidos, mas não acabou com a promiscuidade entre a polícia e bandido.
Este extermínio ocorrido na cidade do Rio de Janeiro em 1993 gerou a narrativa, a denúncia e as revelações do mundo e submundo que o escritor e operador do DireitoSérgio Cerqueira Borges, conhecido como Borjão, compôs no livro Escravos Sociais e os Capitães do Mato, publicado pela Chiado Editora em fevereiro de 2015.
Sérgio atuou em muitos quadrantes neste lamentável episódio, e os principais são:personagem, réu, vítima e por fim, historiador.
Provavelmente, nem todos os súditos do Castelo tenham o conhecimento, parcial ou total, da Chacina. Vinte e dois anos já se passaram, mas para Sérgio as sequelas físicas e íntimas serão eternas. Nosso foco é a literatura tão somente, e é sobreEscravos Sociais e os Capitães do Mato que vamos conversar.
Literárias Mosqueteiras: Analisando o título da obra, há dois arquétipos extremados: de um lado, Escravos Sociais, representados pelos 21 mortos, pelos favelados e por uma esmagadora maioria que respira no solo brasileiro e em muitas regiões do planeta. Na continuação, encontramos Capitães do Mato. Segundo o Wikipédia, é um empregado público da última categoria, encarregado de reprimir os pequenos delitos ocorridos no campo. No frigir dos ovos, eles capturavam fugitivos para depois entrega-los aos seus amos mediante prêmio. A Abolição já é centenária, mas os escravos prevalecem. Os capitães do mato, além de rurais, tornaram-se também urbanos. Perfeitamente sugestivo o título.
A injustiça queima a alma e perece a carne é um vídeo que relata em três minutos o drama que te assolou na época, e ainda persiste.
Convido nossos súditos, como se fosse um minuto de silêncio, para assistirem e melhor acompanhar esta entrevista.
Esta não é a primeira pergunta, mas tua primeira resposta está no link abaixo.
Literárias Mosqueteiras:Chiado Editora é oriunda de Portugal, mas está em vertiginosa expansão mundial. É o que li no site. Foi uma opção, ou a única alternativa? Como foi a recepção do teu livro nas editoras brasileiras?
Sérgio Cerqueira Borges: Não foi a única opção, entretanto as editoras brasileiras dispõem de poucos benefícios ao escritor iniciante demandando muito investimento pecuniário por este; apesar de que muitas editoras tampouco retornaram; a Chiado cresce no mundo e principalmente no Brasil devido ao trato com quem decide enveredar na literatura, fui recepcionado pelo então editor português, Sr. Afonso que me tratou com muita cortesia e respeito; ainda não havia escritório no Brasil, mas agora com escritórios em SP (Editora Mayara Facchini) e RJ (Editora Joana), realmente uma editora muito democrática, não tive que pagar pela edição e ainda há a perspectiva de traduzirem a obra para outras línguas para publicação em todo mundo; qual editora nacional está em condições de ofertar isto?.
Literárias Mosqueteiras:Um jornalista ou escritor, quando decide recontar uma história não ficção, oscila entre facilidades e dificuldades na tarefa de angariar pesquisas e depoimentos. Estiveste na plateia, no palco e nos bastidores do que escreveste. Isso foi o crucial e único facilitador, ou havia fatos e personagens que precisaram ser desvendados?
Sérgio Cerqueira Borges: Sim! Havia algumas dúvidas de fatos e personagens. Durante cerca de dois anos, trabalhei infiltrado como ambulante na praça, onde a última das vítimas de Vigário Geral foi morta, conhecida como Praça 2, nessa adquiri uma barraca de lanches, ali próximo às melhores fontes de informações, como moto taxistas, guardadores de carros, enfim pessoas locais; usei do meu treinamento de investigador do serviço de inteligência da PM para dirimir dúvidas da mecânica da chacina, lacunas por exemplo, se a principal testemunha do crime, o X-9 (Informante) Ivan Custódio havia participado ou não da chacina, vez que nas gravações das fitas em que os verdadeiros apontados como chacinadores desvendaram tudo, ou quase tudo, isto não ficou claro, então consegui apurar que não só este participou, como foi o articulador da morte dos PMs na noite anterior como também foi ele o fornecedor de uma relação de nomes das vítimas da chacina de Vigário Geral de 1993. http://www.demotix.com/video/7258582/acquitted-vig-rio-geral-massacre-launches-book-bomb-pm
Literárias Mosqueteiras:Invariavelmente, atrás da situação sempre haverá oposição, e vice versa. O tema de Escravos Sociais e os Capitães do Mato é uma página estarrecedora na história do Brasil, assim como foram as Guerras de Canudos e Sítio do Caldeirão dos Jesuítas. A corda arrebenta sempre no lado mais fraco.
Li ou ouvi que sofreste quatro atentados e o assassinato do teu filho, motivados por vingança. Algum desses acontecimentos na tentativa de impedi-lo de escrever e publicar o livro, ou há outras causas?
Sérgio Cerqueira Borges: Desde o início nunca havia escondido meu rosto da imprensa e sempre me coloquei neste contexto como injustiçado, era quase sempre eu quem a imprensa procurava para as entrevistas devido a minha postura e manifestação de revolta diante desta situação injusta; ao produzir provas da minha inocência e dos demais injustiçados (23 inocentes de 33 acusados) com as gravações em fitas K7 das conversas entre os encarcerados, após o MP investigar toda a história, tão logo libertos provisoriamente, comecei a correr duplo risco contra minha vida, por primeiro dos chacinadores que ainda não haviam sido identificados e estavam em liberdade, queriam meu silêncio, em concomitância com os Oficiais da PM que haviam fraudado toda a investigação contra dezenas de inocentes, estes também queriam me silenciar; ora suas carreiras e reputações, com a reviravolta corria riscos; então realmente ao longo do processo e após minha absolvição, vinha sofrendo atentados; uma vez que não conseguiram me matar, vingaram-se assassinando meu filho com apenas 18 anos e um mês de vida; um misto de vingança e recado; resolvi então registrar toda a história em um livro; mesmo que me matem agora, a história está eternizada, é meu legado aos meus descendentes e a sociedade; mas não usei a chacina como tema central e busquei as razões históricas e meu testemunho da vivência enquanto policial, levando essas ocorrências como consequência. http://www.demotix.com/video/7258574/acquitted-vig-rio-geral-massacre-launches-book-bomb-pm
Literárias Mosqueteiras: Resumindo: foram assassinados a sangue frio, 21 inocentes que moravam na favela do Vigário Geral, por represália à morte de quatro policiais. A lei encapuzada invadiu a favela e matou por vingança. A Juíza Patrícia Acioli foi assassinada em agosto de 2011, coincidentemente com 21 tiros no portão de sua casa. Esta tragédia ocupa alguns parágrafos do teu livro, associando de certa maneira os fatos, ou foi mera coincidência?
Sérgio Cerqueira Borges: Mera coincidência a relação dos tiros desferidos contra a Excelentíssima Juíza e o número de mortos na chacina; algo explorado pela mídia e perpetuado na sequência por quem quis se valer disto; não vejo relação nenhuma entre os dois casos. Vejo sim um fato recorrente nestes casos, quando se quer dar uma resposta a sociedade em casos de repercussão, inocentes correm o risco de pagarem com sua liberdade para aplacar as pressões e cobranças de resultados; esmiúço isto em meu livro; tanto quanto o comportamento da mídia nestes casos.
Literárias Mosqueteiras:Aos poucos, vou te questionando para que nossos leitores possam assimilar gradativamente, o que encontrarão nas páginas de Escravos Sociais e os Capitães do Mato.
Nesse pelotão de policiais militares que cometeram essa barbárie, estiveram inclusos personagens com interesses sórdidos, dos mais generalizados. Logicamente, evitar perder dinheiro ou ganhá-lo. As suspeitas recaíram sobre a polícia. Havia civis envolvidos? De que forma o teu nome foi incluído na relação dos assassinos?
Sérgio Cerqueira Borges: Vou deixar o link de uma entrevista que concedi ao CONEXÃO JORNALISMO ao jornalista Fabio Lau, nesta foram feitos estes questionamentos: http://www.conexaojornalismo.com.br/noticias/inocentado-de-envolvimento-em-chacina-lanca-livro-bomba-sobre-bastidores-da-pm-do-rio-1-37709
Presumo que o drama da entrevista requeira uma pausa para o recreio. Desculpe-me a ignorância e a preguiça. Prefiro ler teus conceitos sobre este termo novo, pelo menos para mim. Além de escritor és operador do Direito. Esta variante do Direito encontra-se antes ou depois do Advogado?
Sérgio Cerqueira Borges: Na verdade todos nós somos operadores do Direito, inclusive o bacharel em Direito e o advogado com registro na OAB; note que um Delegado de Polícia possui graduação em Direito e não pode ser registrado na OAB por um impedimento legal, mas não é advogado; busquei a graduação em Direito em 2004, mas sou hoje aposentado e usei meu saber jurídico para este livro e os futuros.
Literárias Mosqueteiras: Lindíssima a Canção do Policial Militar RJ a exemplo no Hino Nacional Brasileiro, e de todos os hinos que enaltecem uma nação ou um grupo. No entanto, alguns integrantes desta nação ou deste grupo, viram as costas e agem de forma antagônica ao que o autor escreveu. O papel aceita tudo, mas na prática, as injustiças são estrofes de terror.
Peço novamente que os nossos súditos cliquem no link, ouçam a canção e leiam os detalhes do calvário de Sérgio Cerqueira Borges. Está abaixo do vídeo anterior.
Pelo que entendi, 23 policiais inocentes foram presos e sofreram todo o azar de torturas. Após a absolvição, todos foram reintegrados, porém, tu foste a única exceção. Quais as alegações?
Sérgio Cerqueira Borges: Em todos os pedidos de reintegração, nunca houve respostas aos pedidos, contudo quando já não havia mais tempo legal, conhecido como prescrição, a resposta foi exatamente esta, ou seja, estava prescrito e precuido a pretensão do pedido; uma injustiça perpetuada a quem quis expor a verdade, mesmo para se salvar.
Literárias Mosqueteiras: Após rodar alguns minutos por tua página no Facebook, encontrei o vídeo em que Aniara Rangel, soldado da polícia Rodoviária do RJ, fardada, interpretou magnificamente uma canção.
Enquanto encantado eu ouvia, devaneios caminhavam paralelo: deve haver Sérgio, um sentimento lírico, estimulante, revigorante neste peito destroçado, não é mesmo? A vida é uma caixinha de surpresas. A surpresa joga dos dois lados e não há abalo nisso! Quero acreditar que diante de nossas ações, ela se comova e surja de mãos dadas com a felicidade, mais conhecida como “momentos felizes”.
Ser escritor e operador do Direito, são suficientes para te trazerem momentos felizes, há novos projetos ou a polícia ainda é uma saudade a ser alcançada?
Sérgio Cerqueira Borges: Não creio que poderia alcançar um retorno a polícia por parte dos que comandam a PM; toda escolha resulta em uma renuncia; ao escrever este livro, acredito que me tornei um Ex-capitão do Mato; mas minha vocação sempre foi ser policial e não exatamente Militar do Estado. Mas agora me encontro doente e aposentado.
Literárias Mosqueteiras: Em Escravos Sociais e os Capitães do Mato,detalhadamente tu descreve as cenas que resumidamente irás responder agora. Policias foram os responsáveis pela chacina, mas 23 deles, incluindo tu, foram absolvidos, e nem todos os verdadeiros culpados foram presos. No recheio desse bolo envenenado, há muitos ingredientes, identificados ou não. A cobertura serviu com abafamento e as velas sobre o bolo já se apagaram, assopradas por interesses e não pelo tempo.
É isso, mais ou menos isso ou nada disso?
Sérgio Cerqueira Borges: Vou sintetizar: Houve a chacina, houve a pressão da sociedade para uma resposta rápida, um governador desesperado por uma possível intervenção Federal deu carta branca para um grupo de Oficiais da PM investigar e produzir a “justiça” exigida elegendo culpados entre verdadeiros culpados e inocentes (A competência para investigar seria da Polícia Civil), na famosa teoria do caos surgem as fitas que desmoralizaram as primeiras investigações injustas e seus investigadores fraudadores, em especial um homem que a usou para sua autopromoção (Cel PM BRUM) que desejava ser Deputado, das fitas surge nomes dos matadores, as gravações não servem como prova de culpa, mas somente como prova de inocência por uma questão técnica jurídica, sem provas então os Promotores de Justiça pedem a absolvição no processo conhecido como Vigário Geral II daqueles que foram indicados como verdadeiros culpados nas fitas gravadas na prisão. Conclusão: Resultou em impunidades e injustiças. É o resultado quando se mistura política com polícia e os interesses dos políticos partidários e de seus aspirantes a política.
Literárias Mosqueteiras: Vamos prosear um pouco sobre a literatura. Escravos Sociais e os Capitães do Mato é tua primeira obra? Há outros projetos sendo delineados?
Sérgio Cerqueira Borges: Sim há. Na verdade este livro com 570 páginas foi dividido em dois, neste relato causa e consequências das chacinas; já no segundo pretendo escrever das consequências e perigos que rodeiam um ex-policial; ao ser desligado do serviço público, e diante de sua realidade, todas as possibilidades ofertadas a ele para enveredar em uma vida de crimes; não raro as milícias paramilitares estão com seu contingente com Ex- Militares do Estado; no meu caso não foi diferente, muitas vezes fui posto em situações que facilmente poderia seguir este caminho, mas posso dizer que encontro na letra da canção May Way muita afinidade nas razões morais que não me permitiram este caminho torto. https://www.youtube.com/watch?v=TD1puFxGXZE&feature=youtu.be
Literárias Mosqueteiras: Em 2013, criei um texto limitado sobre o crime do Nióbio que ainda ocorre no Brasil. Enviei este texto às celebridades do jornalismo brasileiro através do meu Twitter. Consistia em saber o porquê este crime não era denunciado. No dia seguinte, ao acessar, recebi a notificação que o meu Twitter havia sido cancelado, motivado por denúncias. É lógico que quase 100% dos nossos súditos não sabem do que se trata. O crime do Nióbio é algo desconhecido por nosso alienado povo. No ano de 2012, tu tiveste aborrecimentos com o Wikipédia ao excluírem postagens que eles consideram impróprias. Fale a respeito.
Sérgio Cerqueira Borges: Não há muito que falar, talvez seja pelos mesmos motivos do seu texto; já tive muitos Twitter(s) também perdidos quando divulgava meu drama, como estratégia fiz ao mesmo tempo, muitos Twitter(s), todos relacionados um com o outro; as pessoas que administram o Wikipédia não me esclareceram convicentemente porque rejeitaram as informações que ofertava, não me davam explicações plausíveis, ainda diziam-me que se insistisse, considerariam vandalismo virtual, então desisti deles.
Literárias Mosqueteiras: Tenho ciência que um por cento, talvez nem isso, foi aqui abordado. Estou escrevendo o início desta última pergunta, baseado no que perguntei anteriormente. Haverá tuas respostas. Além delas, gostaria que expusesse aos nossos súditos, fatos que eu deveria ter questionado, mas por ineficiência, não o fiz. Uma entrevista virtual, onde a distância é palpável, estará sempre sujeita a intempéries.
Sérgio Cerqueira Borges: Acredito que realmente é um tema dinâmico e sempre haverá algo a acrescentar; uma das questões que quero salientar, a minha obra, defende a desmilitarização das polícias estaduais e questiona a coexistência de duas polícias, uma militar outra civil, talvez seja este o maior entrave na segurança pública à eficiência constitucional do artigo 37 da CRFB.
Ataco também o abuso do Estado nas prisões cautelares, destoando o que diz nossa Constituição Federal e o entendimento do STF, bom dizer que a cautelar difere da prisão pena.
Agradeço a oportunidade e me coloco a disposição em esclarecer qualquer outro ponto que desejar no futuro. Convido a todos que desejam conhecer a verdadeira história da segurança pública do RJ no olhar de quem dela fez parte na minha obra.
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