"O fim do Direito é a paz; o meio de atingi-lo, a luta. O Direito não é uma simples idéia, é força viva. Por isso a justiça sustenta, em uma das mãos, a balança, com que pesa o Direito, enquanto na outra segura a espada, por meio da qual se defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é a impotência do Direito. Uma completa a outra. O verdadeiro Estado de Direito só pode existir quando a justiça bradir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança."

-- Rudolf Von Ihering

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sexta-feira, 5 de junho de 2015

O escritor ELTON DA FONTOURA entrevista o escritor SÉRGIO CERQUEIRA BORGES.



Segundo Rudolf von Ihering, jurista ímpar na história do direito alemão, falecido em 1892, “o fim do Direito é a paz; o meio de atingi-lo, a luta. O Direito não é uma simples ideia, é força viva. Por isso a justiça sustenta, em uma das mãos, a balança, com que pesa o Direito, enquanto na outra segura a espada, por meio da qual se defende. A espada sem a balança é a força bruta; a balança sem a espada é a impotência do Direito. Uma completa a outra. O verdadeiro Estado de Direito só pode existir quando a justiça brandir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança.”
Desta vez, ocupo o salão do Castelo das Literárias Mosqueteiras para conduzir a literatura brasileira, não às ficções criadas por Escritores brasileiros ou portugueses, mas uma entrevista com a realidade pregressa; a Chacina de Vigário Geral.
Tomei a liberdade de ensaiar um pequeno ajuste no texto de finalização do documentário criado pela “design&imagem”, intitulado “Lembrar para não Esquecer”.
As tragédias têm vários lados; a tristeza um lado só.
Lembrar para não esquecerinicia esta entrevista com a convicção que o futuro será sempre impiedosamente escrito no presente. Simples assim! Destino? Não!
Aqui no Casteloas luzes se acendem, sob o pano, e as pesquisas que fiz, remontam que a imensa maioria dos envolvidos na chacina de Vigário Geral continua anônima, silenciosa e impune.
O Choque acabou com o silêncio dos oprimidos, mas não acabou com a promiscuidade entre a polícia e bandido.

Este extermínio ocorrido na cidade do Rio de Janeiro em 1993 gerou a narrativa, a denúncia e as revelações do mundo e submundo que o escritor e operador do DireitoSérgio Cerqueira Borges, conhecido como Borjão, compôs no livro Escravos Sociais e os Capitães do Mato, publicado pela Chiado Editora em fevereiro de 2015.
Sérgio atuou em muitos quadrantes neste lamentável episódio, e os principais são:personagem, réu, vítima e por fim, historiador.
Provavelmente, nem todos os súditos do Castelo tenham o conhecimento, parcial ou total, da Chacina. Vinte e dois anos já se passaram, mas para Sérgio as sequelas físicas e íntimas serão eternas.  Nosso foco é a literatura tão somente, e é sobreEscravos Sociais e os Capitães do Mato que vamos conversar.

Literárias Mosqueteiras: Analisando o título da obra, há dois arquétipos extremados: de um lado, Escravos Sociais, representados pelos 21 mortos, pelos favelados e por uma esmagadora maioria que respira no solo brasileiro e em muitas regiões do planeta. Na continuação, encontramos Capitães do Mato. Segundo o Wikipédia, é um empregado público da última categoria, encarregado de reprimir os pequenos delitos ocorridos no campo. No frigir dos ovos, eles capturavam fugitivos para depois entrega-los aos seus amos mediante prêmio.  A Abolição já é centenária, mas os escravos prevalecem. Os capitães do mato, além de rurais, tornaram-se também urbanos. Perfeitamente sugestivo o título.
A injustiça queima a alma e perece a carne é um vídeo que relata em três minutos o drama que te assolou na época, e ainda persiste.
Convido nossos súditos, como se fosse um minuto de silêncio, para assistirem e melhor acompanhar esta entrevista.
Esta não é a primeira pergunta, mas tua primeira resposta está no link abaixo.

Literárias Mosqueteiras:Chiado Editora é oriunda de Portugal, mas está em vertiginosa expansão mundial. É o que li no site. Foi uma opção, ou a única alternativa? Como foi a recepção do teu livro nas editoras brasileiras?

Sérgio Cerqueira Borges: Não foi a única opção, entretanto as editoras brasileiras dispõem de poucos benefícios ao escritor iniciante demandando muito investimento pecuniário por este; apesar de que muitas editoras tampouco retornaram; a Chiado cresce no mundo e principalmente no Brasil devido ao trato com quem decide enveredar na literatura, fui recepcionado pelo então editor português, Sr. Afonso que me tratou com muita cortesia e respeito; ainda não havia escritório  no Brasil, mas agora com escritórios em SP (Editora Mayara Facchini) e RJ (Editora Joana), realmente uma editora muito democrática, não tive que pagar pela edição e ainda há a perspectiva de traduzirem a obra para outras línguas para publicação em todo mundo; qual editora nacional está em condições de ofertar isto?.

Literárias Mosqueteiras:Um jornalista ou escritor, quando decide recontar uma história não ficção, oscila entre facilidades e dificuldades na tarefa de angariar pesquisas e depoimentos. Estiveste na plateia, no palco e nos bastidores do que escreveste. Isso foi o crucial e único facilitador, ou havia fatos e personagens que precisaram ser desvendados?

Sérgio Cerqueira Borges: Sim! Havia algumas dúvidas de fatos e personagens. Durante cerca de dois anos, trabalhei infiltrado como ambulante na praça, onde a última das vítimas de Vigário Geral foi morta, conhecida como Praça 2, nessa adquiri uma barraca de lanches, ali próximo às melhores fontes de informações, como moto taxistas, guardadores de carros, enfim pessoas locais; usei do meu treinamento de investigador do serviço de inteligência da PM para dirimir dúvidas da mecânica da chacina, lacunas por exemplo, se a principal testemunha do crime, o X-9 (Informante) Ivan Custódio havia participado ou não da chacina, vez que nas gravações das fitas em que os verdadeiros apontados como chacinadores desvendaram tudo, ou quase tudo, isto não ficou claro, então consegui apurar que não só este participou, como foi o articulador da morte dos PMs na noite anterior como também foi ele o fornecedor de uma relação de nomes  das vítimas da chacina de Vigário Geral de 1993.  http://www.demotix.com/video/7258582/acquitted-vig-rio-geral-massacre-launches-book-bomb-pm

Literárias Mosqueteiras:Invariavelmente, atrás da situação sempre haverá oposição, e vice versa. O tema de Escravos Sociais e os Capitães do Mato é uma página estarrecedora na história do Brasil, assim como foram as Guerras de Canudos e Sítio do Caldeirão dos Jesuítas. A corda arrebenta sempre no lado mais fraco.
Li ou ouvi que sofreste quatro atentados e o assassinato do teu filho, motivados por vingança. Algum desses acontecimentos na tentativa de impedi-lo de escrever e publicar o livro, ou há outras causas?

Sérgio Cerqueira Borges: Desde o início nunca havia escondido meu rosto da imprensa e sempre me coloquei neste contexto como injustiçado, era quase sempre eu quem a imprensa procurava para as entrevistas devido a minha postura e manifestação de revolta diante desta situação injusta; ao produzir provas da minha inocência e dos demais injustiçados (23 inocentes de 33 acusados) com as gravações em fitas K7 das conversas entre os encarcerados, após o MP investigar toda a história, tão logo libertos provisoriamente, comecei a correr duplo risco contra minha vida, por primeiro dos chacinadores que ainda não haviam sido identificados e estavam em liberdade, queriam meu silêncio, em concomitância com os Oficiais da PM que haviam fraudado toda a investigação contra dezenas de inocentes, estes também queriam me silenciar; ora suas carreiras e reputações, com a reviravolta corria riscos; então realmente ao longo do processo e após minha absolvição, vinha sofrendo atentados; uma vez que não conseguiram me matar, vingaram-se assassinando meu filho com apenas 18 anos e um mês de vida; um misto de vingança e recado; resolvi então registrar toda a história em um livro; mesmo que me matem agora, a história está eternizada, é meu legado aos meus descendentes e a sociedade; mas não usei a chacina como tema central e busquei as razões históricas e meu testemunho da vivência enquanto policial,  levando essas ocorrências como consequência. http://www.demotix.com/video/7258574/acquitted-vig-rio-geral-massacre-launches-book-bomb-pm

 Literárias Mosqueteiras: Resumindo: foram assassinados a sangue frio, 21 inocentes que moravam na favela do Vigário Geral, por represália à morte de quatro policiais. A lei encapuzada invadiu a favela e matou por vingança. A Juíza Patrícia Acioli foi assassinada em agosto de 2011, coincidentemente com 21 tiros no portão de sua casa. Esta tragédia ocupa alguns parágrafos do teu livro, associando de certa maneira os fatos, ou foi mera coincidência?

Sérgio Cerqueira Borges: Mera coincidência a relação dos tiros desferidos contra  a Excelentíssima Juíza e o número de mortos na chacina; algo explorado pela mídia e perpetuado na sequência por quem quis se valer disto; não vejo relação nenhuma entre os dois casos. Vejo sim um fato recorrente nestes casos, quando se quer dar uma resposta a sociedade em casos de repercussão, inocentes correm o risco de pagarem com sua liberdade para aplacar as pressões e cobranças de resultados; esmiúço isto em meu livro; tanto quanto o comportamento da mídia nestes casos.

Literárias Mosqueteiras:Aos poucos, vou te questionando para que nossos leitores possam assimilar gradativamente, o que encontrarão nas páginas de Escravos Sociais e os Capitães do Mato.  
Nesse pelotão de policiais militares que cometeram essa barbárie, estiveram inclusos personagens com interesses sórdidos, dos mais generalizados.  Logicamente, evitar perder dinheiro ou ganhá-lo. As suspeitas recaíram sobre a polícia. Havia civis envolvidos? De que forma o teu nome foi incluído na relação dos assassinos?

Sérgio Cerqueira Borges: Vou deixar o link de uma entrevista que concedi ao CONEXÃO JORNALISMO ao jornalista Fabio Lau, nesta foram feitos estes questionamentos: http://www.conexaojornalismo.com.br/noticias/inocentado-de-envolvimento-em-chacina-lanca-livro-bomba-sobre-bastidores-da-pm-do-rio-1-37709

Presumo que o drama da entrevista requeira uma pausa para o recreio. Desculpe-me a ignorância e a preguiça. Prefiro ler teus conceitos sobre este termo novo, pelo menos para mim. Além de escritor és operador do Direito. Esta variante do Direito encontra-se antes ou depois do Advogado?

 Sérgio Cerqueira Borges: Na verdade todos nós somos operadores do Direito, inclusive o bacharel em Direito e o advogado com registro na OAB; note que um Delegado de Polícia possui graduação em Direito e não pode ser registrado na OAB por um impedimento legal, mas não é advogado; busquei a graduação em Direito em 2004, mas sou hoje aposentado e usei meu saber jurídico para este livro e os futuros.

Literárias Mosqueteiras: Lindíssima a Canção do Policial Militar RJ a exemplo no Hino Nacional Brasileiro, e de todos os hinos que enaltecem uma nação ou um grupo. No entanto, alguns integrantes desta nação ou deste grupo, viram as costas e agem de forma antagônica ao que o autor escreveu. O papel aceita tudo, mas na prática, as injustiças são estrofes de terror. 
Peço novamente que os nossos súditos cliquem no link, ouçam a canção e leiam os detalhes do calvário de Sérgio Cerqueira Borges. Está abaixo do vídeo anterior.
Pelo que entendi, 23 policiais inocentes foram presos e sofreram todo o azar de torturas. Após a absolvição, todos foram reintegrados, porém, tu foste a única exceção. Quais as alegações?

Sérgio Cerqueira Borges: Em todos os pedidos de reintegração, nunca houve respostas aos pedidos, contudo quando já não havia mais tempo legal, conhecido como prescrição, a resposta foi exatamente esta, ou seja, estava prescrito e precuido a pretensão do pedido; uma injustiça perpetuada a quem quis expor a verdade, mesmo para se salvar.

Literárias Mosqueteiras: Após rodar alguns minutos por tua página no Facebook, encontrei o vídeo em que Aniara Rangel, soldado da polícia Rodoviária do RJ, fardada, interpretou magnificamente uma canção.
Enquanto encantado eu ouvia, devaneios caminhavam paralelo: deve haver Sérgio, um sentimento lírico, estimulante, revigorante neste peito destroçado, não é mesmo? A vida é uma caixinha de surpresas. A surpresa joga dos dois lados e não há abalo nisso! Quero acreditar que diante de nossas ações, ela se comova e surja de mãos dadas com a felicidade, mais conhecida como “momentos felizes”.
Ser escritor e operador do Direito, são suficientes para te trazerem momentos felizes, há novos projetos ou a polícia ainda é uma saudade a ser alcançada?

Sérgio Cerqueira Borges: Não creio que poderia alcançar um retorno a polícia por parte dos que comandam a PM; toda escolha resulta em uma renuncia; ao escrever este livro, acredito que me tornei um Ex-capitão do Mato; mas minha vocação sempre foi ser policial e não exatamente Militar do Estado. Mas agora me encontro doente e aposentado.

Literárias Mosqueteiras: Em Escravos Sociais e os Capitães do Mato,detalhadamente tu descreve as cenas que resumidamente irás responder agora. Policias foram os responsáveis pela chacina, mas 23 deles, incluindo tu, foram absolvidos, e nem todos os verdadeiros culpados foram presos. No recheio desse bolo envenenado, há muitos ingredientes, identificados ou não. A cobertura serviu com abafamento e as velas sobre o bolo já se apagaram, assopradas por interesses e não pelo tempo.
É isso, mais ou menos isso ou nada disso?

Sérgio Cerqueira Borges: Vou sintetizar: Houve a chacina, houve a pressão da sociedade para uma resposta rápida, um governador desesperado por uma possível intervenção Federal deu carta branca para um grupo de Oficiais da PM investigar e produzir a “justiça” exigida elegendo culpados entre verdadeiros culpados e inocentes (A competência para investigar seria da Polícia Civil), na famosa teoria do caos surgem as fitas que desmoralizaram as primeiras investigações injustas e seus investigadores fraudadores, em especial um homem que a usou para sua autopromoção (Cel PM BRUM) que desejava ser Deputado, das fitas surge nomes dos matadores, as gravações não servem como prova de culpa, mas somente como prova de inocência por uma questão técnica jurídica, sem provas então os Promotores de Justiça pedem a absolvição no processo conhecido como Vigário Geral II daqueles que foram indicados como verdadeiros culpados nas fitas gravadas na prisão. Conclusão: Resultou em impunidades e injustiças. É o resultado quando se mistura política com polícia e os interesses dos políticos partidários e de seus aspirantes a política.

Literárias Mosqueteiras: Vamos prosear um pouco sobre a literatura. Escravos Sociais e os Capitães do Mato é tua primeira obra? Há outros projetos sendo delineados?

 Sérgio Cerqueira Borges: Sim há. Na verdade este livro com 570 páginas foi dividido em dois, neste relato causa e consequências das chacinas; já no segundo pretendo escrever das consequências e perigos que rodeiam um ex-policial; ao ser desligado do serviço público, e diante de sua realidade, todas as possibilidades ofertadas a ele para enveredar em uma vida de crimes; não raro as milícias paramilitares estão com seu contingente com Ex- Militares do Estado; no meu caso não foi diferente, muitas vezes fui posto em situações que facilmente poderia seguir este caminho, mas posso dizer que encontro na letra da canção May Way muita afinidade nas razões morais que não me permitiram este caminho torto. https://www.youtube.com/watch?v=TD1puFxGXZE&feature=youtu.be

Literárias Mosqueteiras: Em 2013, criei um texto limitado sobre o crime do Nióbio que ainda ocorre no Brasil.  Enviei este texto às celebridades do jornalismo brasileiro através do meu Twitter. Consistia em saber o porquê este crime não era denunciado. No dia seguinte, ao acessar, recebi a notificação que o meu Twitter havia sido cancelado, motivado por denúncias. É lógico que quase 100% dos nossos súditos não sabem do que se trata. O crime do Nióbio é algo desconhecido por nosso alienado povo. No ano de 2012, tu tiveste aborrecimentos com o Wikipédia ao excluírem postagens que eles consideram impróprias. Fale a respeito.

Sérgio Cerqueira Borges: Não há muito que falar, talvez seja pelos mesmos motivos do seu texto; já tive muitos Twitter(s) também perdidos quando divulgava meu drama, como estratégia fiz ao mesmo tempo, muitos Twitter(s), todos relacionados um com o outro; as pessoas que administram o Wikipédia não me esclareceram convicentemente porque rejeitaram as informações que ofertava, não me davam explicações plausíveis, ainda diziam-me que se insistisse, considerariam vandalismo virtual, então desisti deles.

Literárias Mosqueteiras: Tenho ciência que um por cento, talvez nem isso, foi aqui abordado. Estou escrevendo o início desta última pergunta, baseado no que perguntei anteriormente. Haverá tuas respostas. Além delas, gostaria que expusesse aos nossos súditos, fatos que eu deveria ter questionado, mas por ineficiência, não o fiz. Uma entrevista virtual, onde a distância é palpável, estará sempre sujeita a intempéries.

 Sérgio Cerqueira Borges: Acredito que realmente é um tema dinâmico e sempre haverá algo a acrescentar; uma das questões que quero salientar, a minha obra, defende a desmilitarização das polícias estaduais e questiona a coexistência de duas polícias, uma militar outra civil, talvez seja este o maior entrave na segurança pública à eficiência constitucional do artigo 37 da CRFB.

Ataco também o abuso do Estado nas prisões cautelares, destoando o que diz nossa Constituição Federal e o entendimento do STF, bom dizer que a cautelar difere da prisão pena.

Agradeço a oportunidade e me coloco a disposição em esclarecer qualquer outro ponto que desejar no futuro. Convido a todos que desejam conhecer a verdadeira história da segurança pública do RJ no olhar de quem dela fez parte na minha obra.


sexta-feira, 29 de agosto de 2014

21 ANOS DE IMPUNIDADES E INJUSTIÇAS - CHACINA DE VIGÁRIO GERAL.

REPORTAGEM ESPECIAL

https://www.facebook.com/escritorsergiocborges





Sexta-feira, 29 de Agosto de 2014

Vigário Geral: 21 anos da chacina que matou 21

Por Fábio Lau e Douglas Mota
Foto de Mário Leite - Jornal O Dia - em 30 de agosto de 1993
Foto de Mário Leite - Jornal O Dia - em 30 de agosto de 1993

- Não me matem que eu sou trabalhador. Trabalho na gráfica ali fora - implorou Cleber, procurando no bolso a carteira de trabalho.
- Você vai morrer aqui mesmo - responderam.
- Pelo amor de Deus, moço, não me mate - insistiu o gráfico. Mataram.



Cleber Alves, 23 anos, ia para casa naquela madrugada de segunda-feira, 30 de agosto de 1993. Foi interceptado por um grupo de PMs de um total de trinta e tantos que invadiram Vigário Geral. Duas madrugadas antes, os traficantes daquela favela havia matado quatro PMs na Praça Catolé do Rocha. 



O conjunto de acontecimentos colocaria o Rio de Janeiro e o Brasil de joelhos diante de mais um processo por violação dos Direitos Humanos na OEA. Cleber seria o primeiro a morrer por aquele grupo que invadiu a favela, cortou linhas de telefones dos orelhões e a luz elétrica. Outras 20 mortes viriam em seguida. Oito delas sobre uma mesma família. Um núcleo evangélico na entrada da favela. Todos mortos. Todos inocentes.



Vinte e um anos depois Conexão Jornalismo encontrou alguns personagens que vivenciaram, cada um ao seu modo, aquele filme de horror. Pessoas do Judiciário, da Imprensa, da Polícia Militar, comunidade que lembra e revela que a ferida continua aberta. 



Prisões ocorreram. Algumas condenações. Muitas injustiças. Mas o fato é que aquela chacina, que já não é a maior tragédia deste perfil no Rio, insiste em não se colocar no passado. Ela teima em retornar a cada novo acontecimento violento que ocorre no Rio e no país.



O Fuzil AR 15























O Rio de Janeiro descobria, naquela chacina, um fuzil americano que era a versão civil do M16, arma de assalto usada dois anos antes na Guerra do Golfo. O fuzil foi usado pelo bando de Flávio Negão, que matou os quatro PMs da Praça Catolé do Rocha, e também foram usadas pelos invasores para eliminar moradores inocentes. 



A partir dali, O AR 15 ficaria conhecido como uma espécie de vírus incontrolável capaz de destruir famílias, lares, sonhos e acima de tudo um projeto de polícia humanitária. Um médico do Hospital Souza Aguiar, com o passar dos anos, foi reconhecido como o especialista em tratar ferimentos dos sobreviventes do AR. Quando sobreviviam. 





Depoimentos des pessoas que estiveram presentes na história que marcou o Rio





Mário Leite (fotógrafo de O Dia) - 

Mario Leite: difícil esquecer
Mario Leite: difícil esquecer  


Atravessando a passarela para se entrar em Vigário Geral, já dava prá sentir o clima de tragédia, como sempre acontece nesses casos; ainda mais naquele calor, silêncio total, seguindo pelas ruas e ruelas. Corpos pelo chão de terra, moscas, moradores passando e olhando com aqueles olhares aparentemente normais. Imagino que eu também devia estar com esse mesmo olhar, pois nessas matérias sempre acontece comigo uma espécie de transe, um estado mental no qual nada pode me afetar a ponto de passar mal.



Bombeiros começaram a carregar os corpos em direção à passarela, e aí já havia e expectativa da foto de todos os corpos juntos. O tamanho da tragédia visualmente falando. Não sei quanto tempo durou isso, mas não foi leve. Era a nítida noção do absurdo voltando à superfície.



Tudo pronto: uma multidão se posiciona em volta dos corpos e faço retrato de uma história sem fim. Grupos policiais rivais, cavalos - corredores, etc. Não sei se foi esclarecido alguma coisa ou temos que que ficar imaginando o mais provável.



Voltei lá em outra situação, para conhecer o Centro Cultural Waly Salomão do Afro-Reggae. Muito bom, muito vivo (Mario Leite, 21 anos depois, mora em São Paulo).





José Muiños Piñeiro - promotor de Justiça do III Tribunal do Júri -

Homenagem perene às vítimas
Homenagem perene às vítimas  


Era uma tarde de domingo, 29 de agosto, e eu estava no Riocentro com meus filhos na Bienal do Livro. A seleção brasileira de futebol estava jogando com a Bolívia, se não estou enganado, pelas eliminatórias da copa de 1994. Na ocasião eu era promotor de Justiça no II Tribunal do Júri e já estava a frente do caso da CHACINA da CANDELÁRIA, ocorrida no mês anterior e na qual morreram oito jovens, alguns ainda criança. Não poderia imaginar que uma nova chacina aconteceria ainda naquela noite e, pior, a ação penal também ficaria sob a minha responsabilidade e a de Maurício Assayag, meu colega no Tribunal. Foram duas tragédias, duas grandes barbáries que mancharam a cidade "maravilhosa" de sangue inocente. No caso de Vigário Geral, oito integrantes de uma família evangélica morreram covardemente assassinados dentro de casa. Sabia que as atenções dos meios de comunicação, da sociedade carioca, fluminense, brasileira e da comunidade internacional ficariam voltadas para a apuração judicial dos fatos. Foi assim por muitos anos. Todos os dias havia matéria nos jornais. A cobrança era quase insuportável. Ao mesmo tempo em que tinha a obrigação de fazer justiça, isto é, obter a condenação somente de quem era culpado, a preocupação em evitar uma impunidade me corroía o pensamento. Por muito tempo uma noite tranquila de sono foi algo inatingível, o que somente piorou quando foi descoberto um plano para matar um dos promotores do caso ou a própria juíza a frente dos trabalhos. Muitas falhas na investigação policial comprometiam um resultado justo. Apesar disso, consegui levar vários acusados aos julgamentos pelo júri. Fiquei responsável pelo primeiro julgamento de um dos quatro chacinadores da Candelária e do primeiro réu a ser julgado no caso da Chacina de Vigário Geral. Felizmente os jurados aceitaram a tese da acusação e obtive as condenações, respectivamente, a 300 anos e 449 anos de prisão. Com esses resultados comecei a me sentir um pouco mais leve, o stress começava a retroceder. Faz vinte e um anos que a Chacina de Vigário Geral aconteceu. Coincidentemente, foram 21 vítimas. A atuação no caso, não tenho dúvida, deu destaque a minha carreira e me alçou a grandes e novas responsabilidades, chegando, por duas vezes , a ser nomeado Procurador Geral de Justiça (o Chefe do Ministério Público) após indicação dos meus colegas, tendo recebido em ambas a maior votação. Importante, contudo, é ter a consciência de que procurei fazer a justiça e que se alcancei um bom resultado, devo à confiança que os familiares das vítimas da chacina mantiveram no meu trabalho, apoio fundamental nos momentos mais difíceis. O tempo passou, mas é importante sempre lembrar daquela tragédia social para que nunca seja ela esquecida, no mínimo em homenagem perene às vítimas.
(José Muiños Piñero hoje é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro)




Fábio Lau - jornalista de O Dia

Homônimo inesperado
Homônimo inesperado   


Sim. Eu morri um pouquinho naquela chacina. Em meio aos 21 abatidos covardemente por policiais e milicianos havia um jovem com meu nome: Fábio Pinheiro Lau tinha 18 anos. Morreu ao lado de motocicletas na Praça Catolé do Rocha porque estava na hora errada e no lugar errado. Foram muitos tiros. Estive com o pai dele e, diante de homem sofrido e sem esperança no olhar, me vi diante de um espelho. Bastaria estar vivo e naquela hora e lugar para morrer atravessado por balas de fuzis naquela madrugada fria do inverno carioca. Foram dias e dias de cobertura incessante. Conheci o pai do Flávio Negão numa matéria dividida com o repórter Sérgio Torres, da Folha. Vinte e um anos depois muita coisa mudou na minha vida. E na cor do cabelo também. Mas nem tantas mudanças assim ocorreram em Vigário Geral. A comunidade segue sua sina: cercada por linha do trem, Linha Vermelha e Acari. O abandono de sempre e a precariedade da infraestrutura urbana. Assim como eu, Fábio Pinheiro Lau, meu xará, 21 anos depois, teria muita história para contar. Mas não se pode falar o mesmo da quele palco chamado Vigário Geral. 
(Fábio Lau hoje trabalha em seu próprio site de notícias, Conexão Jornalismo)



Iracilda Toledo - perdeu o marido, o ferroviário Alberto Toledo, na chacina.

Iracilda Toledo: netos deram luz a agosto
Iracilda Toledo: netos deram luz a agosto  


"Eu tinha ido à Igreja e deixei o Beto em casa com meu filho, Humberto. Eles foram ao bar comprar cigarro e acabaram assistindo ao jogo do Brasil com a Bolívia, que terminou em 2 a 0 e nos classificou para a Copa do Mundo. Meu marido ficou lá comemorando a vitória, mas Humberto, que tinha 12 anos, voltou para casa por ordem do pai. Tinha aula cedo no dia seguinte.



Nós fomos dormir até que por volta da meia-noite acordei com meu sogro batendo na janela e chamando o Beto. Expliquei que estava no bar comemorando por causa do jogo. Aflito, meu sogro respondeu que todos que estavam no bar tinham sido mortos. Não quis acreditar. Procurei por toda a comunidade, mas não o encontrei.



Uma hora da manhã, meu compadre teve coragem para entrar no bar. Identificou que Beto era um dos mortos. Ele tinha um cargo de confiança na Rede Ferroviária Federal, enquanto eu não trabalhava. Graças a Deus tenho uma família estruturada e consegui abrigo com meus pais e irmãos.



Saí do cidade, criei meus filhos no interior e só voltei porque começaram a cursar faculdade. A mais nova, que tinha 9 anos na época, fez Psicologia. Já Humberto, hoje com 33, Engenharia. Nenhum de nós esquece o ocorrido. Vão se passar cem anos e aquilo vai continuar na memória.



Apesar de tudo, o mês não ficou marcado negativamente na minha vida. Meus dois netos nasceram em agosto". (Iracilda mora no Rio, com seus dois filhos, trabalha, e ajuda a cuidar dos netos).



Sargento da PM Sérgio Borges, o Borjão - 

Sérgio Borges: perda de um filho
Sérgio Borges: perda de um filho  


"Você pode imaginar o que é uma pessoa inocente ser acusada da noite para o dia de um crime de repercussão internacional, baseada na palavra de um marginal da lei, Ivan Custódio? Sem culpa amarguei quatro anos no cárcere. Fui humilhado juntamente com minha família e sofro sequelas até hoje. Meu filho foi assassinado por conta deste caso. 




A Justiça foi feita a partir de investigação que fiz com outros policiais inocentes. Fizemos o mesmo na chacina da Candelária. O processo foi totalmente fraudulento e feito pela Polícia Militar, que não tem competência constitucional para investigação.



O Rio de Janeiro naquele momento ia sofrer uma intervenção federal. O Coronel Valmir Alves Brum*, almejando ocupar o lugar do Coronel Emir Laranjeira, aproveitou do episódio para alcançar o sucesso político. Ele acusou 23 policiais, hoje reconhecidamente inocentes pelo hoje desembargador Muiños Piñeiro, que era o promotor da época.



As investigações refletem duas palavras: impunidade e injustiça. Os culpados não foram presos e inocentes passaram quatro anos ou mais na prisão. Perdi meu filho, a saúde e 21 anos da minha vida.



Escrevo um livro contando toda a verdade, que será publicado quatro meses. O prefácio é do jornalista Carlos Nobre, que escreveu a obra "Mães de Acari", e a apresentação é do promotor que nos acusou e depois nos inocentou.



Com sede de vingança por causa da morte dos PMs, os matadores que foram a Vigário começaram a matar todos os que tinham o pré-nome ou o apelido que constavam naquela lista. A revanche não foi motivada pela morte do sargento Ailton, mas sim pelas dos colegas que o acompanharam. 



Tanto as vítimas e seus parentes, quanto os policiais inocentes, foram usados pelo sistema para uma manutenção de poder, como tem sido feito desde que o Brasil é Brasil. (Sérgio Borges Cerqueira hoje é escritor e advogado)




Personagens da história da Chacina:





Flávio Negão: sopa de siri no terreiro com jornalista
Flávio Negão: sopa de siri no terreiro com jornalista  





Flávio Pires da Silva, o Flávio Negão - traficante determinou a morte dos quatro PMs. Um deles, o PM Ailton, teria sequestrado e assassinado seu irmão. Morto pela polícia anos depois. "Alguns dias após chacina eu e o repórter Nilton Claudino nos encontramos com Flávio Negão. O traficante estava cercado por comparsas e falou sobre a execução dos PMs e a chacina. Dividimos duas horas de conversa e um prato fundo, de plástico, com sopa de siri" - Fábio Lau








Cristina Leonardo: atuação em Direitos Humanos
Cristina Leonardo: atuação em Direitos Humanos  


Cristina Leonardo - A advogada foi uma das mais atuantes profissionais na defesa dos Direitos Humanos nos casos de violência ocorridos no Rio de Janeiro na década de 90. Desaparecimento de menores, chacinas da Candelária, Vigário e violência contra a mulher. 





Valmir Brum: prisões e injustiças
Valmir Brum: prisões e injustiças  



Valmir Alves Brum* - O coronel da PM era um dos mais odiados policiais da corporação por conta da sua atividade repressora. Ajudou a prender muitos policiais violentos, mas protagonizou também casos flagrantes de injustiça contra acusados. Em um deles deteve o único soldado negro de uma unidade da PM porque o acusado do crime tinha o apelido de "Pelé". Virou sinônimo de xerife da PM na década de 90.




Zuenir Ventura: Cidade Partida permanece
Zuenir Ventura: Cidade Partida permanece  





Zuenir Ventura - jornalista do Jornal do Brasil, escreveu o livro Cidade Partida a partir da chacina. Participou de projetos que tentava unir um Rio de Janeiro dividido entre os ricos e pobres, a zona turística e a cidade de verdade. A Fábrica de Esperança, criada ao lado da favela para oferecer estudo e trabalho, fechou. 





Nilo Batista - O vice-governador e chefe de Polícia Civil enfrentava politicamente duas chacinas e pouco mais de um mês. Bom frasista, disse, ao desembarcar em meio a multidão em Vigário, que naquele momento havia sido quebrada a barreira entre polícia e bandidagem. O crime faria surgir um outro personagem, o pastor Caio Fábio, que se transformaria numa espécie de guru espiritual de Nilo Batista.















Lúcio Natalício - Repórter que estava responsável pela madrugada no Jornal O Dia, Natal foi o primeiro jornalista a chegar à comunidade e a se deparar com o quadro. Apurou nomes, motivos aparentes da chacina e localizou testemunhas. Pela manhã, quando as equipes chegaram à Vigário Geral, poucas informações restavam. Foi homenageado pelo seu empenho em momento tão difícil. Ele morreu no final do ano passado.






Homenagens




Acontece nesta sexta-feira (29) na favela de Vigário Geral uma homenagem aos mortos noa chacina. O culto Evangélico começa às 16h, em frente à Casa da Paz. Familiares das vítimas depositarão flores no local da tragédia.



Já em Cabo Frio, será exibido no Centro Cultural Carlos Scliar o documentário dirigido pelo cineasta Milton Alencar "Vigário Geral: Lembrar para não Esquecer". Logo após acontece um debate com o desembargador José Muiños Piñeiro Filho que, na época, atuou como um dos promotores de justiça e obteve no Tribunal do Júri a condenação do primeiro chacinador a 449 anos de prisão. Assista:





O rapper Marcelo D2 compôs uma canção em homenagem aos mortos no massacre: