SÁBADO, 23 DE MAIO DE 2009
O RD da PM do RJ também não passou pelo crivo do poder legislativo
Inconstitucionalidade: RDE, RDM e RDA (HABEAS CORPUS)
FONTE: TRF4 - TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
ACESSO EM: 05/05/2009
HABEAS CORPUS Nº 2009.71.00.004836-3/RS
Publicado em 27/04/2009
IMPETRANTE: VILMAR QUIZZEPPI DA SILVA
ADVOGADO : VILMAR QUIZZEPPI DA SILVA
PACIENTE : JADIR DE ORNELAS DE ARAÚJO
ADVOGADO : VILMAR QUIZZEPPI DA SILVA
IMPETRADO: COMANDANTE DO 3º BATALHÃO DE COMUNICAÇÕES - 3º B COM
SENTENÇA
RELATÓRIO
Cuida-se de Habeas Corpus, impetrado por Vilmar Quizzeppi da Silva, em favor de Jadir de Ornelas de Araújo, Subtenente do Exército, contra a punição aplicada ao paciente de 03 (três) dias de prisão disciplinar.
Nas fls. 52-54, foi deferida a liminar e, assim, expedido alvará de soltura em favor de Vilmar.
A autoridade impetrada prestou as informações nas fls. 74-120.
O Ministério Público Federal manifestou-se nas fls. 124-129.
A defesa juntou petição noticiando a transferência do militar pelo Comando Militar do Sul, por necessidade do serviço, para o 2º RC Mec, em São Borja/RS. Requereu decisão judicial visando à suspensão da transferência.
Vieram os autos conclusos.
Decido.
FUNDAMENTAÇÃO
A fim de evitar tautologia, transcrevo a decisão das fls. 52-54, que deferiu a liminar nos presentes autos:
"Analisando os documentos acostados pela defesa, verifico que foi aplicada ao paciente a punição de 03 (três) dias de prisão disciplinar, por infrigir, em tese, o disposto art. 28, inc. XVII, da Lei n. 6880/80, Estatuto dos Militares. A punição fundamentou-se no item 9 do Anexo I do Regulamento Disciplinar do Exército (R-4), aprovado pelo Decreto n. 4.346/02.
O cumprimento da penalidade (fl. 45) foi solicitada ao Comandante do 3º Batalhão de Comunicações, autoridade impetrada, com base no art. 40, § 4º, do mesmo Regulamento Disciplinar.
Passo a analisar a liminar requerida.
No tocante à prisão disciplinar, assim dispõe o artigo 29 do Decreto n. 4346/2002:
'Art. 29. Prisão disciplinar consiste na obrigação de o punido disciplinarmente permanecer em local próprio e designado para tal.
§ 1º Os militares de círculos hierárquicos diferentes não poderão ficar presos na mesma dependência.
§ 2º O comandante designará o local de prisão de oficiais, no aquartelamento, e dos militares, nos estacionamentos e marchas.
§ 3º Os presos que já estiverem passíveis de serem licenciados ou excluídos a bem da disciplina, os que estiverem à disposição da justiça e os condenados pela Justiça Militar deverão ficar em prisão separada
dos demais presos disciplinares.
§ 4º Em casos especiais, a critério da autoridade que aplicar a punição disciplinar, o oficial ou aspirante-a-oficial pode ter sua residência como local de cumprimento da punição, quando a prisão
disciplinar não for superior a quarenta e oito horas.
§ 5º Quando a OM não dispuser de instalações apropriadas, cabe à autoridade que aplicar a punição solicitar ao escalão superior local para servir de prisão.'
Deste modo, a prisão disciplinar é uma punição que afeta a liberdade de locomoção do paciente, motivo pelo qual pode ser analisada em sede de Habeas Corpus.
Sem analisar o mérito da punição aplicada, verifico que, conforme dispõe o artigo 5º, LXI, da Magna Carta 'ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei'. (Grifei)
À luz da disposição constitucional acima transcrita, tem-se que, para que alguém possa ser preso por infração militar ou por crime dessa natureza, a infração ou o crime devem estar previstos em lei e não em regulamentos, decretos ou outros atos executivos de cunho normativo.
Sobre o tema assim ensina o doutrinador José Afonso da Silva:'a palavra lei, para a realização plena do princípio da legalidade, se aplica, em rigor técnico, à lei formal, isto é, ao ato legislativo emanado dos órgãos de representação popular e elaborado de conformidade com o processo legislativo previsto na Constituição (arts. 59 a 69).
(...)
E a seguinte lição de Crisafulli situa devidamente a questão: 'tem-se, pois, reserva de lei quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal (...) subtraindo-a, com isso, à disciplina de outras fontes, àquelas
subordinadas' (in Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, 1999, págs. 422/423; grifo não constante no original).
Deste modo, aos indivíduos que, de alguma forma, incorrerem em transgressão militar poderá ser imputada a sanção consistente em prisão (aqui incluído a detenção disciplinar, que também afeta a liberdade de locomoção), desde que prevista em lei, em sentido estrito.
No presente caso, aplicou-se ao paciente a pena consistente em 03 (três) dias de prisão disciplinar.
Todavia, conforme acima exposto, esta punição afronta o texto constitucional, na medida em que a conduta infracional está prevista, tão-somente, no Decreto n. 4.346, de 26/08/02, editado pelo então Presidente da República.
É inegável que, conforme disposto no artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal, é de competência privativa do Presidente da República, "sancionar, promulgar e fazer publicar leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução'.
Entretanto, o poder regulamentar desse encontra restrições. Conforme José Afonso da Silva: 'consiste num poder administrativo no exercício de função normativa subordinada, qualquer que seja o seu objeto. Significa dizer que se trata de poder limitado. Não é poder legislativo; não pode, pois, criar normatividade que inove a ordem jurídica. Seus limites naturais situam-se no âmbito da competência executiva e administrativa, onde se insere. Ultrapassar esses limites importa em abuso de poder, em usurpação de competência, tornando-se írrito o regulamento dele proveniente' (ob. cit., pp. 426/427).
Conforme acima já exposto, a prisão disciplinar consiste em restrição à liberdade de locomoção do militar e, como tal, só poderia ser aplicada caso a transgressão disciplinar que lhe deu causa estivesse prevista em lei, strictu sensu.
Nessa feita, o Presidente da República, ao editar, no ano de 2002, o RDE, com disposições acerca de infrações disciplinares e penas de detenção e prisão, fez tábula rasa ao mandamento constitucional (art. 5º, LXI), abusando do poder regulamentar que lhe foi atribuído.
De outro vértice, reconhecida a inconstitucionalidade do Decreto telado, exsurge a questão atinente à repristinação do Decreto anterior, no caso o de n. 90.608/84. É que a declaração de inconstitucionalidade de um texto normativo tem como efeito reflexo a repristinação da norma anterior.
Do ponto de vista material, deve-se admitir que o Decreto n. 90.608/84 foi recebido pela nova ordem constitucional, uma vez que essa manteve a possibilidade de ser aplicada a pena de prisão ao militar que incorrer em transgressão disciplinar.
No que tange ao âmbito formal, detectada a compatibilidade material, a recepção do texto normativo se dá automaticamente, com a ressalva de que quaisquer alterações na matéria só poderão ser levadas a efeito através da forma prevista na nova Magna Carta.
Sem embargo, é preciso ter em conta o disposto no artigo 25, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que determinou que 'ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I - ação normativa'. Daí decorre que, não tendo havido prorrogação, através de lei, dos dispositivos normativos constantes do Decreto n. 90.608/84, esse também carece de aplicabilidade.
Nesta linha a ementa a seguir transcrita: 'PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. UNIÃO. ILEGITIMIDADE RECURSAL. SANÇÃO DISCIPLINAR MILITAR. CF, ART. 142, § 2º. CABIMENTO DO WRIT PARA A ANÁLISE DA LEGALIDADE DA PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA. DEFINIÇÃO DAS HIPÓTESES DE PRISÃO E DETENÇÃO DISCIPLINARES. RESERVA LEGAL. CF, ART. 5º, XLI. NÃO-RECEPÇÃO DO ART. 47 DA LEI N. 6.880/80. ILEGALIDADE DO ART. 24, IV E V, DO DECRETO Nº 4.346/02.
1. A União carece de legitimidade para interpor recurso contra sentença concessiva de ordem de habeas corpus, porquanto, em matéria penal e processual penal, o interesse público é resguardado através da atuação do Ministério Público Federal. Precedentes.
2. As sanções de detenção e prisão disciplinares, por restringirem o direito de locomoção do militar, somente podem ser validamente definidas através de lei stricto sensu (CF, art. 5º, LXI), consistindo a adoção da reserva legal em uma garantia para o castrense, na medida que impede o abuso e o arbítrio da Administração Pública na imposição de tais reprimendas.
3. Ao possibilitar a definição dos casos de prisão e detenção disciplinares por transgressão militar através de decreto regulamentar a ser expedido pelo Chefe do Poder Executivo, o art. 47 da Lei nº 6.880/80 restou revogado pelo novo ordenamento constitucional, pois que incompatível com o disposto no art. 5º, LXI. Conseqüentemente, o fato de o Presidente da República ter promulgado o Decreto nº 4.346/02 (Regulamento Disciplinar do Exército) com fundamento em norma legal não-recepcionada pela Carta Cidadã viciou o plano da validade de toda e qualquer disposição regulamentar contida no mesmo pertinente à aplicação das referidas penalidades, notadamente os incisos IV e V de seu art. 24.
Inocorrência de repristinação dos preceitos do Decreto nº 90.604/84 (ADCT, art. 25).'
(RSE n. 200471020085124, de 09/08/2006, TRF da 4ª Região, 8ª Turma, Desembargador Relator Paulo Afonso Brum, DJU 23/08/2006, p. 1397).
De qualquer sorte, a sanção imposta ao paciente - três dias de prisão disciplinar - o foi com base no Decreto n. 4.346/02, circunstância que por si só revela a inconstitucionalidade da punição.
Ante o exposto, DEFIRO a medida liminar requerida, com base no artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal de 1988, a fim de que não seja cumprida a penalidade de 03 (três) dias de prisão disciplinar, aplicada a JADIR DE ORNELAS DE ARAÚJO, nos autos do Processo n. 002, de 13 de janeiro de 2009 e também para que seja excluída a penalidade acima dos seus assentamentos militares e ficha disciplinar.
Expeça-se alvará de soltura.
Intimem-se.
Solicitem-se informações à autoridade impetrada.
Com a juntada, dê-se vista ao Ministério Público Federal e, após, voltem os autos conclusos.
Porto Alegre, 18 de fevereiro de 2009".
Sendo assim, com base nos fundamentos acima expostos, entendo cabível a confirmação da medida liminar, devendo ser concedida a ordem de Habeas Corpus, com base no artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal de 1988.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, confirmo a liminar anteriormente deferida e concedo a ordem de Habeas Corpus em favor de JADIR DE ORNELAS DE ARAÚJO, para tornar sem efeito a punição 03 (três) dias de prisão disciplinar, aplicada a JADIR DE ORNELAS DE ARAÚJO, nos autos do Processo n. 002, de 13 de janeiro de 2009, bem como para que seja excluída tal penalidade dos seus assentamentos militares e ficha disciplinar.
Em relação à transferência do paciente para unidade militar localizada na cidade de São Borja, tenho que o fato não merece provimento do juízo criminal, visto que é estranho aos direitos protegidos por habeas corpus.
Transitada em julgado, remeta-se cópia da presente sentença à autoridade coatora.
Após, dê-se baixa e arquivem-se.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Porto Alegre, 16 de abril de 2009.
Ricardo Humberto Silva Borne
Juiz Federal SubstitutoFONTE: TRF4 - TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
ACESSO EM: 05/05/2009
HABEAS CORPUS Nº 2009.71.00.004836-3/RS
Publicado em 27/04/2009
IMPETRANTE: VILMAR QUIZZEPPI DA SILVA
ADVOGADO : VILMAR QUIZZEPPI DA SILVA
PACIENTE : JADIR DE ORNELAS DE ARAÚJO
ADVOGADO : VILMAR QUIZZEPPI DA SILVA
IMPETRADO: COMANDANTE DO 3º BATALHÃO DE COMUNICAÇÕES - 3º B COM
SENTENÇA
RELATÓRIO
Cuida-se de Habeas Corpus, impetrado por Vilmar Quizzeppi da Silva, em favor de Jadir de Ornelas de Araújo, Subtenente do Exército, contra a punição aplicada ao paciente de 03 (três) dias de prisão disciplinar.
Nas fls. 52-54, foi deferida a liminar e, assim, expedido alvará de soltura em favor de Vilmar.
A autoridade impetrada prestou as informações nas fls. 74-120.
O Ministério Público Federal manifestou-se nas fls. 124-129.
A defesa juntou petição noticiando a transferência do militar pelo Comando Militar do Sul, por necessidade do serviço, para o 2º RC Mec, em São Borja/RS. Requereu decisão judicial visando à suspensão da transferência.
Vieram os autos conclusos.
Decido.
FUNDAMENTAÇÃO
A fim de evitar tautologia, transcrevo a decisão das fls. 52-54, que deferiu a liminar nos presentes autos:
"Analisando os documentos acostados pela defesa, verifico que foi aplicada ao paciente a punição de 03 (três) dias de prisão disciplinar, por infrigir, em tese, o disposto art. 28, inc. XVII, da Lei n. 6880/80, Estatuto dos Militares. A punição fundamentou-se no item 9 do Anexo I do Regulamento Disciplinar do Exército (R-4), aprovado pelo Decreto n. 4.346/02.
O cumprimento da penalidade (fl. 45) foi solicitada ao Comandante do 3º Batalhão de Comunicações, autoridade impetrada, com base no art. 40, § 4º, do mesmo Regulamento Disciplinar.
Passo a analisar a liminar requerida.
No tocante à prisão disciplinar, assim dispõe o artigo 29 do Decreto n. 4346/2002:
'Art. 29. Prisão disciplinar consiste na obrigação de o punido disciplinarmente permanecer em local próprio e designado para tal.
§ 1º Os militares de círculos hierárquicos diferentes não poderão ficar presos na mesma dependência.
§ 2º O comandante designará o local de prisão de oficiais, no aquartelamento, e dos militares, nos estacionamentos e marchas.
§ 3º Os presos que já estiverem passíveis de serem licenciados ou excluídos a bem da disciplina, os que estiverem à disposição da justiça e os condenados pela Justiça Militar deverão ficar em prisão separada
dos demais presos disciplinares.
§ 4º Em casos especiais, a critério da autoridade que aplicar a punição disciplinar, o oficial ou aspirante-a-oficial pode ter sua residência como local de cumprimento da punição, quando a prisão
disciplinar não for superior a quarenta e oito horas.
§ 5º Quando a OM não dispuser de instalações apropriadas, cabe à autoridade que aplicar a punição solicitar ao escalão superior local para servir de prisão.'
Deste modo, a prisão disciplinar é uma punição que afeta a liberdade de locomoção do paciente, motivo pelo qual pode ser analisada em sede de Habeas Corpus.
Sem analisar o mérito da punição aplicada, verifico que, conforme dispõe o artigo 5º, LXI, da Magna Carta 'ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei'. (Grifei)
À luz da disposição constitucional acima transcrita, tem-se que, para que alguém possa ser preso por infração militar ou por crime dessa natureza, a infração ou o crime devem estar previstos em lei e não em regulamentos, decretos ou outros atos executivos de cunho normativo.
Sobre o tema assim ensina o doutrinador José Afonso da Silva:'a palavra lei, para a realização plena do princípio da legalidade, se aplica, em rigor técnico, à lei formal, isto é, ao ato legislativo emanado dos órgãos de representação popular e elaborado de conformidade com o processo legislativo previsto na Constituição (arts. 59 a 69).
(...)
E a seguinte lição de Crisafulli situa devidamente a questão: 'tem-se, pois, reserva de lei quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal (...) subtraindo-a, com isso, à disciplina de outras fontes, àquelas
subordinadas' (in Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, 1999, págs. 422/423; grifo não constante no original).
Deste modo, aos indivíduos que, de alguma forma, incorrerem em transgressão militar poderá ser imputada a sanção consistente em prisão (aqui incluído a detenção disciplinar, que também afeta a liberdade de locomoção), desde que prevista em lei, em sentido estrito.
No presente caso, aplicou-se ao paciente a pena consistente em 03 (três) dias de prisão disciplinar.
Todavia, conforme acima exposto, esta punição afronta o texto constitucional, na medida em que a conduta infracional está prevista, tão-somente, no Decreto n. 4.346, de 26/08/02, editado pelo então Presidente da República.
É inegável que, conforme disposto no artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal, é de competência privativa do Presidente da República, "sancionar, promulgar e fazer publicar leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução'.
Entretanto, o poder regulamentar desse encontra restrições. Conforme José Afonso da Silva: 'consiste num poder administrativo no exercício de função normativa subordinada, qualquer que seja o seu objeto. Significa dizer que se trata de poder limitado. Não é poder legislativo; não pode, pois, criar normatividade que inove a ordem jurídica. Seus limites naturais situam-se no âmbito da competência executiva e administrativa, onde se insere. Ultrapassar esses limites importa em abuso de poder, em usurpação de competência, tornando-se írrito o regulamento dele proveniente' (ob. cit., pp. 426/427).
Conforme acima já exposto, a prisão disciplinar consiste em restrição à liberdade de locomoção do militar e, como tal, só poderia ser aplicada caso a transgressão disciplinar que lhe deu causa estivesse prevista em lei, strictu sensu.
Nessa feita, o Presidente da República, ao editar, no ano de 2002, o RDE, com disposições acerca de infrações disciplinares e penas de detenção e prisão, fez tábula rasa ao mandamento constitucional (art. 5º, LXI), abusando do poder regulamentar que lhe foi atribuído.
De outro vértice, reconhecida a inconstitucionalidade do Decreto telado, exsurge a questão atinente à repristinação do Decreto anterior, no caso o de n. 90.608/84. É que a declaração de inconstitucionalidade de um texto normativo tem como efeito reflexo a repristinação da norma anterior.
Do ponto de vista material, deve-se admitir que o Decreto n. 90.608/84 foi recebido pela nova ordem constitucional, uma vez que essa manteve a possibilidade de ser aplicada a pena de prisão ao militar que incorrer em transgressão disciplinar.
No que tange ao âmbito formal, detectada a compatibilidade material, a recepção do texto normativo se dá automaticamente, com a ressalva de que quaisquer alterações na matéria só poderão ser levadas a efeito através da forma prevista na nova Magna Carta.
Sem embargo, é preciso ter em conta o disposto no artigo 25, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que determinou que 'ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I - ação normativa'. Daí decorre que, não tendo havido prorrogação, através de lei, dos dispositivos normativos constantes do Decreto n. 90.608/84, esse também carece de aplicabilidade.
Nesta linha a ementa a seguir transcrita: 'PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. UNIÃO. ILEGITIMIDADE RECURSAL. SANÇÃO DISCIPLINAR MILITAR. CF, ART. 142, § 2º. CABIMENTO DO WRIT PARA A ANÁLISE DA LEGALIDADE DA PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA. DEFINIÇÃO DAS HIPÓTESES DE PRISÃO E DETENÇÃO DISCIPLINARES. RESERVA LEGAL. CF, ART. 5º, XLI. NÃO-RECEPÇÃO DO ART. 47 DA LEI N. 6.880/80. ILEGALIDADE DO ART. 24, IV E V, DO DECRETO Nº 4.346/02.
1. A União carece de legitimidade para interpor recurso contra sentença concessiva de ordem de habeas corpus, porquanto, em matéria penal e processual penal, o interesse público é resguardado através da atuação do Ministério Público Federal. Precedentes.
2. As sanções de detenção e prisão disciplinares, por restringirem o direito de locomoção do militar, somente podem ser validamente definidas através de lei stricto sensu (CF, art. 5º, LXI), consistindo a adoção da reserva legal em uma garantia para o castrense, na medida que impede o abuso e o arbítrio da Administração Pública na imposição de tais reprimendas.
3. Ao possibilitar a definição dos casos de prisão e detenção disciplinares por transgressão militar através de decreto regulamentar a ser expedido pelo Chefe do Poder Executivo, o art. 47 da Lei nº 6.880/80 restou revogado pelo novo ordenamento constitucional, pois que incompatível com o disposto no art. 5º, LXI. Conseqüentemente, o fato de o Presidente da República ter promulgado o Decreto nº 4.346/02 (Regulamento Disciplinar do Exército) com fundamento em norma legal não-recepcionada pela Carta Cidadã viciou o plano da validade de toda e qualquer disposição regulamentar contida no mesmo pertinente à aplicação das referidas penalidades, notadamente os incisos IV e V de seu art. 24.
Inocorrência de repristinação dos preceitos do Decreto nº 90.604/84 (ADCT, art. 25).'
(RSE n. 200471020085124, de 09/08/2006, TRF da 4ª Região, 8ª Turma, Desembargador Relator Paulo Afonso Brum, DJU 23/08/2006, p. 1397).
De qualquer sorte, a sanção imposta ao paciente - três dias de prisão disciplinar - o foi com base no Decreto n. 4.346/02, circunstância que por si só revela a inconstitucionalidade da punição.
Ante o exposto, DEFIRO a medida liminar requerida, com base no artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal de 1988, a fim de que não seja cumprida a penalidade de 03 (três) dias de prisão disciplinar, aplicada a JADIR DE ORNELAS DE ARAÚJO, nos autos do Processo n. 002, de 13 de janeiro de 2009 e também para que seja excluída a penalidade acima dos seus assentamentos militares e ficha disciplinar.
Expeça-se alvará de soltura.
Intimem-se.
Solicitem-se informações à autoridade impetrada.
Com a juntada, dê-se vista ao Ministério Público Federal e, após, voltem os autos conclusos.
Porto Alegre, 18 de fevereiro de 2009".
Sendo assim, com base nos fundamentos acima expostos, entendo cabível a confirmação da medida liminar, devendo ser concedida a ordem de Habeas Corpus, com base no artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal de 1988.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, confirmo a liminar anteriormente deferida e concedo a ordem de Habeas Corpus em favor de JADIR DE ORNELAS DE ARAÚJO, para tornar sem efeito a punição 03 (três) dias de prisão disciplinar, aplicada a JADIR DE ORNELAS DE ARAÚJO, nos autos do Processo n. 002, de 13 de janeiro de 2009, bem como para que seja excluída tal penalidade dos seus assentamentos militares e ficha disciplinar.
Em relação à transferência do paciente para unidade militar localizada na cidade de São Borja, tenho que o fato não merece provimento do juízo criminal, visto que é estranho aos direitos protegidos por habeas corpus.
Transitada em julgado, remeta-se cópia da presente sentença à autoridade coatora.
Após, dê-se baixa e arquivem-se.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Porto Alegre, 16 de abril de 2009.
Ricardo Humberto Silva Borne
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